quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Fragilidades

 

Ela revestiu os lábios de esperança cega e tateando nas entrelinhas, leu gestos desconexos nas pétalas de uma flor moribunda e num punhado de letras comercializadas.

O papel pardo abriu-se ao toque como um presente desconstruído. 

O olhar perdeu-se no preço na orelha da capa, mas não se demorou no título.

Ela sabe que as palavras foram colhidas por outro alguém e que os poemas não lidos são fracos embaixadores de expressões de amor.

Não há nada na contracapa que contradiga a falta de essência. 

Ela não contraria o que lhe vai na alma.

Hoje, sente o aperto no peito, uma sensação de esperança efêmera na conexão fugaz entre gestos e palavras não plenamente compreendidos.

A expetativa é frágil como a espuma do mar, mas não lamenta desejar, tão intensamente, por um mergulho em águas mais profundas.


Imagem: KELLEPICS


sábado, 22 de junho de 2019

Surrealidade




Surrealista realidade,
eu ter feito mais pelas suas palavras,
do que estas por mim fizeram
Eram como pedras preciosas guardadas no cofre da mão
[se fosse apenas aí que as tivesse guardado,
não seria tão difícil aceitar]

A natureza humana é o que é,
cheia de palavras, mas de gestos vazios,
que quando mais importam,
quando mais se justificam,
falham.


Surrealista
ter eu feito tanto pelas suas palavras,
não olhando ao tamanho dano
do que me fazia:

Sangrei ao querer segurar o seu significado,
rosa veludo de espinhos cravados
que num abraço de punhais.
traíram a minha fé.


Surrealista realidade
vestida de palavras vazias,
que me deixaram órfã de casa,
entregue a um abandono
que embora doloroso
me fez crescer tanto.


Surrealista
uma ausência punida,
estando eu tão presente.

Mas o que fiz por meras palavras
tão facilmente influenciadas,
eu agradeço, de coração aberto
[doloroso processo o de rasgar
com os dentes o próprio cordão umbilical]


Agora estou livre, de asas reforçadas,
para o que vier a seguir...
Por mais surrealista que seja
viver numa realidade
que não reveste de Verbo,
as palavras que nos oferecem.

domingo, 10 de abril de 2016

Apenas uma viagem


Imagina uma viagem de apenas alguns degraus.
Paredes brancas.
Fim da linha.
Último andar para um céu estrelado.

Imagina um silêncio que pesa em cada batida do coração.
Dedos entrelaçados, palavras dispersas
Brilho de uma noite escura,
na qual da pedra se fez leito .

Imagina um olhar hesitante...
Olhos devotos que se deitam com os teus,
Enquanto as palavras se perdem
nas extremidades que nos despem.

Imagina a suavidade de um abraço em câmara lenta.
O céu contido num sorriso rasgado,
entre paredes brancas,
numa cama de mármore...


Imagina apenas uma viagem de alguns degraus.
O tremor dos primeiros acordes do desejo...
O princípio da Vida.
O topo do mundo.


Se conseguires lembrar,
do que foi tão intenso caminho,
Sente o meu eterno carinho,
mas esquece que existo.

Imagina-me só...
Autor da imagem:  desconhecido





Poema destacado na PEAPAZ.

domingo, 6 de março de 2016

Thougths

We are connected, so I can feel you disappear into the wind gusts. The undeniable truth is that everything breaks one day. I know. My heart went first, leaving me in broken pieces. Even then I stood, breathing like a voice that cannot be heard.
Now, I lay down my hands, embracing this truth: the time is coming to take me away forever. Then I'll really leave you. I promise.


Revisto por Yolanda Morgana, a 8/03/2016

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Além da confissão

Insistes numa história que não passa de uma narrativa
e o que da minha parte acrescento e conto,
creio que não queres ouvir:
_Há verdade na mentira.

A história pesada, cravada em cada passo que dou,
é verdade e realmente aconteceu
[Reforço para que não duvides]
É bagagem minha que carrego no coração.

Quando parti, deveria a ter perdido ou jogado fora.
Levei-a comigo por onde fui e aonde cheguei...
Não te vou dizer porque ficou...
Creio que nem eu mesma sei.

Ao longo de décadas, trocámos silêncios de circunstância
Por vezes, até consegui ignorar a tua presença…
Mas sempre houve algo no ar... Insolente afecto,
que eu, constrangida, refugiei-me na segurança da indiferença.

Não era somente de ti que fugia
e indiferente, na verdade, eu não fiquei
Mas como e para quê o dizer-te?
O juízo que me toma já não é completo
e brincar com o fogo não me faria bem…

Contigo, tanto ardi, que me queimei
- foi difícil viver perdida  -
e não curando essas primeiras feridas,
tornei a dor numa velha conhecida.

Não falemos mais… Deixa que me recolha
A ti, a quem amei com puro ardor,
[tu que habitas nos ecos da minha mente]
eu peço, mais do que me confesso:

_Amor, promessa de vida, não te faças presente...

Fotografia de Fábio Martins (contém hiperligação para a página do Autor)

Inspirado no poema "Ainda é infinito" de Geraldo Coelho Zacarias, PEAPAZ