sexta-feira, 18 de junho de 2010

Claramente

Imagino a vida por um fio, um fio farto em percalços,
uns frutos do destino, outros frutos da ilusão,
Uma venda que defrauda os sentidos
Claramente, a mente deriva sem orientação.

Alucina, perde-se em sonhos, pinta-os d’ouro
Encanta-se pelo falso reluzir, falsas intenções
Claramente, um bloqueio do raciocínio
Uma enxurrada mental de emoções.

Defraudada, à deriva, encantada e bloqueada
O olho da mente que não vê pelo órgão da vista, imagina
E na ilusão transforma porcos em pérolas
Respira a névoa dos sonhos, bebe das suas palavras.

Claramente, acredita e segue pelo nevoeiro de uma mente turva
Congela o tempo e a evolução do espírito
Existem momentos de vigília que nos despertam
E nesses engolimos os frutos do destino.

A soma das acções passadas com as presentes
Resultado que diluí o verniz envelhecido.
Claramente, distinguimos a linha que se repete
A tendência de nos concentrarmos numa linha segura 

Ainda que igualmente dura,
O resultado que já se conhece.
E quem não é real, não deve existir
Destino que se desfaz, caminho sem retorno
Factura, ainda que liquidada, marca!

Claramente, no reerguer da fortaleza rejeito o mergulho
Na chama que arderia eterna,
Na imensidão do teu olhar
No abismo do teu nada!
De ti apenas teria os sonhos despidos!
Claramente, cresci!


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Cupido

As palavras provocam-nos, atiçam-nos com verbos repletos de intenções até conseguirem de nós o que pretendem: mais e mais palavras.

Curiosamente, ao interagir com uma amiga sobre o amor à primeira vista ou qualquer relação que tenha por base este cliché, a minha mente divagou em direcção ao Olimpo e não mais parei de pensar numa das suas criaturas amorosas, associada a uma imagem eternamente infantil: Cupido!


Escrevia eu à minha amiga que "(...)para além de considerar o miúdo amoroso e seja absolutamente contra o trabalho infantil, eu não consigo destituir o Cupido do seu cargo", mas sou forçada a reconhecer que, se pudesse, tentaria convencê-lo a arrumar o arco e as flechas e em último recurso, tirava-lhe a porcaria do brinquedo ou enviava o menino para um colégio eterno!


Alinhadas as asas, parti das Terras Altas rumo ao desconhecido reino dos Imortais, na esperança de falar com o mítico miúdo.

Não estou autorizada a falar-vos da sua localização e nem mesmo descrever as suas paisagens e cidades, só posso dizer-vos que a crise também lá chegou e com tantos impostos corri o risco de chegar com a Alma penhorada.
Todas as criaturas com que me cruzei, depois de lhes contar o que pretendia, riram a bom rir como se lhes tivesse contado a melhor piada do mundo, e solidárias acompanharam-me até à moradia celestial.
Como se fosse o acto mais natural do mundo bati à porta e perguntei:


_O Cupido está?

A porta abriu-se para um lindo jardim, repleto de corações esvoaçantes como se fossem aves.
Pensei tratar-se de um campo de treino, ou seja, que seria ali que o pequeno praticava a pontaria. Os corações ao serem atingidos, ora passavam a voar aos pares, ora deixavam-se ficar caídos, palpitantes, como se esperassem por algo.

Reparei que o pequeno me observava e ao centrar-me na sua figura notei como era diferente das gravuras da criança de caracóis loiros com asas branquinhas. Perguntou-me ao que vinha e eu deixei o meu coração falar:

_Não sei se já fui um coração deste teu jardim, mas eu não quero o Amor, assim como o Amor não me quer! Vim para te pedir para que guardes as tuas flechas e não mais me tentes com a mais leve esperança de o encontrar.

A criança riu-se e com uma voz pesada como o próprio Tempo, respondeu:

_Todos os que daqui partem não vão sozinhos e quando descem à Terra encontram-se, ainda que toldados pela matéria que lhes bloqueia a vista. É preciso saber ver com o coração, todos têm uma luz que os distingue.

_E o que acontece se perante a luz fecharmos os olhos? - Perguntei-lhe surpreendida pela ansiedade na minha voz.

_E quem viste... viu-te?

_Não, não verdadeiramente! Já te disse que o Amor não é para mim.

_Se não te viu e se não te encontrar, virá procurar-te aqui e daqui partirão de novo para uma nova viagem. Mas se ambos fecharam os olhos, algo neste mundo definhará até à morte.

Só então reparei no seu rosto contraído, nas asas de um cinza tumular e no número de corações tombados naquele jardim. Recordei como o Amor e a Esperança tornam qualquer lugar num paraíso, era impossível não acreditar naquela criança.

_Alimenta-te! - Disse-lhe com firmeza, enquanto desnudava o peito.

Sem olhar para trás, com ele deixei tudo o que tinha e tudo o que te fará procurar por mim ali!

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)