Ema Moura |
Caminho descalça por estas ruas repletas de ruído surdo, percorro suas montras, espreito em janelas vizinhas, não paro, não fico.
As pedras da calçada ferem-me os pés, o sol obriga-me a fechar os olhos e sigo em frente confiando em outros sentidos. Não tenho medo desde que possa olhar para trás.
O som das esplanadas mistura-se com uma palete de odores, essências da vida nem sempre fáceis de decifrar. Inspiro profundamente, não porque estou aborrecida, mas porque quero captar as fragrâncias singulares e a que procuro aguça-me o espírito, tanto quanto o atormenta.
Prossigo no meu caminhar, aparentemente, alienado e sem rumo. Distancio-me dos olhares que não observam mais do que uma superfície. Um nível abaixo da pele e tudo em mim se mistura, combina e intensifica. E o que faço confunde-se com o que fiz, assim como o que sinto me deixa alerta, suspensa e hesitante...
O ruído intensifica-se, assim como o verde da camisa esquecida no estendal. Roubaram-na e eu assisti, com o coração perto da boca e a martelar-me o ouvido. Absorvi o aroma, captei a excitação, tomei-a para mim e corri, descalça, ferida, mas feliz.
Caminho descalça pela rua, olhando em todas as direcções, tentando registar o mais possível as emoções sentidas a cada passo. Procuro confundir os sentidos, na esperança que a memória fique envolta numa névoa que se adensa com o passar dos anos, mas nem as pedras da calçada que me ferem os pés, nem a palete de odores que me deixa inebriada ou o nevoeiro cerrado que me envolve, repelem o sonho que me atormenta o espírito.
Um sonho perigoso que não obedece ao ciclo que alterna entre a lua e o sol. Vivo enquanto sonho e o que sonho são memórias de uma vida, esperanças que não se concretizaram, desejos que a realidade não alimenta, não sacia e não aniquila. Exasperante como as perguntas impertinentes que se insinuam e advogam a minha atenção: Recordas-te? É verdadeiro? O que pensas? O que queres? O que sentes?
Sinto e acuso a pressão. Não há alívio quando acordo, apenas consciência e uma vez desperta, sigo o rastro de mim mesma.
Ando descalça e enterro os dedos na areia, sinto-a quente. Ouço o som do riso que ri contra vontade. Ouço a voz quente e o suspiro que transpira e se agita na pele. Não paro, não fico.
Caminho depressa, como quando era fera e me zangava, criando distâncias do comprimento de um abraço e a dois passos do céu da boca. Essa tonta que nos divertia, enterrei-a sob pilhas de desilusão e ainda assim, respira.
Escuto seus pensamentos:
"Enquanto não puder existir,
continuarei a olhar para trás para que não tenha medo,
a andar descalça para que sinta o caminho,
ao alcance de um abraço,
absorta no céu da tua boca."
Dona das palavras livres, quentes e simples, os teus pensamentos e poemas são uma exposição de arte.
ResponderEliminarBeijo alado poetisa
As minhas palavras diluem-se no vento e no entanto, reservam-me a honra de um comentário assim. Conheço as pinceladas que ora me deixa! ;) Beijo alado
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