terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quando cai o véu

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)
Se de noite chorares pelo sol, não verás as estrelas
Tagore, Rabindranath

Recordo os dedos pequeninos colados ao vidro da janela desenhando os contornos de um céu cintilante, como se esticasse as asas e pudesse seguir o feixe de luz de uma lua cheia, numa noite sem nuvens.
A noite é mágica e com ela, eu também o serei - assim pensei outrora!
A noite permaneceu mágica até ao momento em que o sol me ofuscou e o meu corpo revestiu-se de véus, cuja leveza permitia receber tanto calor.
Perdi a Lua! No seu lugar surgiu um lago de gelo, cenário de um bailado solitário.
Perdi as Estrelas! No silêncio da noite deixei de elevar o olhar, serpenteei pelo silêncio das recordações, atiçando as brasas, mantendo a chama brilhante.
Perdi-me em torno dessa fogueira! As asas transformaram-se num sopro e os véus fluíram presos a um corpo ondulante.

Peregrina de mim mesma, templo oculto e sem culto. A realidade é um complexo sistema de casulos.
O Tempo continuou sem incómodo, tem um ciclo a cumprir. A cada ciclo completo um véu se desprende e a ilusão é retalhada pelas traças que eclodem. Sim, nem todos os casulos albergam a larva que dá lugar à borboleta.

Seduzida por um sol peregrinei na noite de olhos postos no rubor das faces, na contracção das coxas, nos lábios mordidos por pedidos suspensos. A noite tornou-se o espaço do suspiro solitário, do caminhar descalço sem rumo e sem sorte.

Quis um dia a Lua resgatar-me, reclamando a minha amante energia. Ao abrigo da noite e à luz da sua magia, os véus desprenderam-se a cada passo dado em redor do meu inferno. Encontrei a face da verdade que os meus sentidos ofuscaram.

O meu sol não é mais que um rochedo negro. Uma falsa tábua de salvação, uma frágil muleta que a ilusão pintou e reforçou no devir do Tempo.
O gesto que me elevou nos ares perde a força a cada verdade revelada. A mesma verdade que no passado me fez recuar perante a fogueira. Não tinha então pecados para queimar!

Cai o último véu. Nenhum no covil de Narciso.
O meu falso sol não é mais que a negação do Amor, um logro de Loki, um sonho de Afrodite.
O rubor invade-me as faces, culpa ardente.
Os meus dedos percorrem o terreno fértil, esperança suplicante.

Dispo um único véu para um banho de lua sob o olhar das estrelas.
Liberto-me!


1 comentário: