terça-feira, 25 de novembro de 2014

Uma vez na rua


Leva-me para a rua,
Mesmo que sob protesto,
E ainda que chova,
Deixa-nos ficar sem abrigo.

Expostos e em abraço forçado,
Respiremos juntos, somente,
Até que o peito acerte o compasso
E o silêncio tome conta dos lábios.

Palavra alguma deverá interpor-se
Entre os meus olhos e os teus,
E se me esquivar, como faço sempre,
Está nas tuas mãos, deter-me.

Não te zangues, nem desesperes
Tu sabes que serei como uma enguia,
A escapar-se por entre dedos,
Mas com igual desejo de ficar.

É uma luta shakespeariana
Entre o querer e o pensar.
É um medo de tocar e estragar,
Como faço sempre…

Pudesse eu evitar ser tão escorregadia
Pudesses tu evitar ser assim tão meu desejo
Voltasse eu a sonhar o nosso sonho
Serias, mesmo, só meu?

Basta que me faças sorrir, uma vez mais…
Um sorriso, que irrompe involuntário
Tem um efeito endiabrado,
É a ruína de qualquer protesto!

Direi: - Detesto-te!
Mas não arredarei pé,
Deixarei que tomes o meu pulso,
me sintas com o coração na boca…

É um plano arriscado,
mas uma vez na rua,
Todas as escolhas são caminhos,
E todos os caminhos convergem para ti!


Imagem: Autor desconhecido




sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Creio...



Certo dia, descias a minha rua, alvo e sorridente, como se por mero acaso não fosses tu quem és e eu quem tu conhecias…

Em resposta ao teu fingimento, uma resposta fisiológica imediata:  o bloqueio da memória. Negado o acesso ao conhecimento e em negação absoluta, o meu instinto manteve-me suspensa. Creio que me procurava impedir de aceder ao campo onde se semeiam experiências e onde estas germinam e dão frutos.

Hoje, sei. Recordo que sacudi a cabeça, como se o gesto sacudisse o alerta que me sacudiu a espinha. Tu sorriste e eu registei, ainda que naquele momento e por inúmeras luas, desse facto não tivesse conhecimento.

Não sei que destino traçavas quando te desenhaste para mim. Apenas sei que agarrei firme no apagador e desenhei um círculo à minha volta. Ainda que sob forte escudo, creio que não fui a tempo de impedir a mente de te lançar um olhar atento e tantos ciclos lunares depois, dei por mim a recuperar uma memória que não sabia que tinha e a interrogar-me acerca do rapaz que, certo do seu destino, à minha rua desceu e me sorriu...

Ironicamente, desde que colidimos de forma quase trágica, passámos a cair acidentalmente na vida um do outro... Creio que tal aconteça sem que um de nós estenda a perna para o outro cair. Verdade ou não, certo é que estes tropeções acabam sempre da mesma forma: encarceramento automatizado, recolhimento à velocidade da luz na protecção da minha concha. Não te deixo entrar e não consigo sair.

Não sorrias. Não é medo de ti, nem medo de mim. É receio de infringir uma proibição tão antiga e tão profundamente escavada que criou raízes. Uma proibição enraizada que se manifesta em ondas de atrapalhação e eu não sei nadar. Afogo-me como uma descoordenada a tentar agarrar algo delicado.

Creio que me atrapalho, sinto o desastre e não o impeço. E quanto mais próximos estamos, mais perto da verdade do que somos e do que sentimos, mais dificuldades tenho.... Creio que existimos e ainda que me obriguem a negá-lo, ainda que o negue, a verdade é que existem outros lugares onde uma mulher pode guardar as suas percepções e não ser incomodada por isso.

Imagino e através desse secreto poder, elevo-me além das coordenadas pré-estabelecidas, insatisfeita e exigente, traçando tangentes aos afectos. No horizonte sou tudo, mas na realidade, uma intersecção verdadeira e sou um quase qualquer coisa: Um quase a chegar, um quase a partir, um quase a ficar e um quase a fugir. Colho os frutos amargos que sangrei.



Creio que quanto mais tempo passo em pousio, mais dificuldade terei em espreguiçar as minhas asas. Entretanto, o Tempo rouba-me as penas.


Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)





terça-feira, 2 de setembro de 2014

Pensamentos

Ema Moura


Caminho descalça por estas ruas repletas de ruído surdo, percorro suas montras, espreito em janelas vizinhas,  não paro, não fico.

As pedras da calçada ferem-me os pés, o sol obriga-me a fechar os olhos e sigo em frente confiando em outros sentidos. Não tenho medo desde que possa olhar para trás.

O som das esplanadas mistura-se com uma palete de odores, essências da vida nem sempre fáceis de decifrar. Inspiro profundamente, não porque estou aborrecida, mas porque quero captar as fragrâncias singulares e a que procuro aguça-me o espírito, tanto quanto o atormenta.

Prossigo no meu caminhar, aparentemente, alienado e sem rumo. Distancio-me dos olhares que não observam mais do que uma superfície. Um nível abaixo da pele e tudo em mim se mistura, combina e intensifica. E o que faço confunde-se com o que fiz, assim como o que sinto me deixa alerta, suspensa e hesitante...

O ruído intensifica-se, assim como o verde da camisa esquecida no estendal. Roubaram-na e eu assisti, com o coração perto da boca e a martelar-me o ouvido. Absorvi o aroma, captei a excitação, tomei-a para mim e corri, descalça, ferida, mas feliz.

Caminho descalça pela rua, olhando em todas as direcções, tentando registar o mais possível as emoções sentidas a cada passo. Procuro confundir os sentidos, na esperança que a memória fique envolta numa névoa que se adensa com o passar dos anos, mas nem as pedras da calçada que me ferem os pés, nem a palete de odores que me deixa inebriada ou o nevoeiro cerrado que me envolve, repelem o sonho que me atormenta o espírito.


Sonho, disse eu, não pesadelo!
Um sonho perigoso que não obedece ao ciclo que alterna entre a lua e o sol. Vivo enquanto sonho e o que sonho são memórias de uma vida, esperanças que não se concretizaram, desejos que a realidade não alimenta, não sacia e não aniquila. Exasperante como as perguntas impertinentes que se insinuam e advogam a minha atenção: Recordas-te? É verdadeiro? O que pensas? O que queres? O que sentes?

Sinto e acuso a pressão.  Não há alívio quando acordo, apenas consciência e uma vez desperta, sigo o rastro de mim mesma.
Ando descalça e enterro os dedos na areia, sinto-a quente. Ouço o som do riso que ri contra vontade. Ouço a voz quente e o suspiro que transpira e se agita na pele. Não paro, não fico.

Caminho depressa, como quando era fera e me zangava, criando distâncias do comprimento de um abraço e a dois passos do céu da boca. Essa tonta que nos divertia, enterrei-a sob pilhas de desilusão e ainda assim, respira.
Escuto seus pensamentos:

"Enquanto não puder existir,
continuarei a olhar para trás para que não tenha medo,
a andar descalça para que sinta o caminho, 
ao alcance de um abraço, 
absorta no céu da tua boca."







terça-feira, 26 de agosto de 2014

Rumo ao esquecimento




Pintura de Ana Luisa Kaminski

Ecos da mente que mente
Ilusões que alimenta para preservar
A luz solar que me move
[Os raios tendem a enfraquecer
e eu não aceito menos que a Luz.]

Não tenho qualquer pretensão
Tão pouco peço para que compreendas
Os passos que dou, o caminho que escolho
Não é de ânimo leve, nunca o foi e ainda assim...
Acreditas tão facilmente que és nuvem negra
Tu que foste o Inferno, mas também o Céu.

Existem músicas dentro de mim
Ecos da mente que não mente
Impressões que deixo nas ruas por onde passo
Como um caminho de pedras brancas,
Ansiosas pelas estórias prometidas.

Não me vês e eu não te vejo,
estamos cegos e isolados...
Abraço a ténue luminosidade
e segredo-lhe ao ouvido:

_Os raios tendem a enfraquecer
E eu não aceito menos que a Luz...
Soltas-me do laço rumo ao esquecimento,
A tua dor carrega o cheiro de antigo fingimento,
A minha dor mente ao partir sorridente.





Frágil atrevimento

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

No bater das asas de uma ave menor
coração a mil pela saudade que se esquece ter,
longo é o caminho que percorro,
movida por este meu querer,
de te querer,
sempre!

Mas o meu atrevimento é como uma bola de sabão
Dura, ainda que com intensidade, apenas um instante
Honesto e vibrante nas suas cores e transparências,
Frágil e acorrentado nos seus ses e no que deve ser,
Evapora-se, sem nunca tocar no chão.

Tu, acreditas tão facilmente, enquanto desato
nós e laços desta estranha rede que nos une e prende,
razão pela qual não fico, ainda que nunca parta
Ainda que o bater das asas me afaste,
no coração reside a saudade que não se esquece.


No bater das asas de uma ave menor,
caço as palavras que larguei no vento,
como se ao desfazer tudo o que vivi,
possa pretender não te querer,
como te quero,
sempre.



sábado, 31 de maio de 2014

Depois no Vazio (Décima quinta carta)



Despi-me de todos os adereços e protecções,
Pelo chão larguei todos os desejos e pretensões,
Entreguei-me à corrente tépida que me lavou o corpo,
desejando que me levasse também os pensamentos.

Engulo em seco debaixo da torrente de salpicos
Em vão, dispo-me de ti incessantemente.
Não quero, mas sinto-me flutuar contigo ao meu lado
Depois do vazio, estás tu, novamente.

Eu que te vedo entrada nos meus sonhos
e que por ti deixei todas as músicas do meu Ser,
Tenho-te como uma conjugação sempre Presente,
sobretudo nas palavras que ficam por dizer...

É tão fácil afastar-te, é tão penoso ir embora
Mas não posso mais viver neste desamor
Nem calar o que não está certo,
Nem deixar crescer quem Sou.

Toda a minha vida és tu 
e ainda que não entendas
porque mais não te posso dizer,
eu vou deixar que faças o que estás fazer...

[Partir o que já está quebrado,
Quebrar o que não terá conserto,
Eu parto! Eu vou. Prometo.]

Quando tudo estiver perdido,
Depois no Vazio, 
estarás tu, novamente.