quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A fuga

Amanheceu e com a luz, a escuridão girou sobre si mesma e saiu furiosamente.
Há medida que o sol cresce, as sombras agitadas procuram abrigo nos nichos das paredes e enquanto se recolhem, a casa desperta, retomando o medo suspenso pelo terror nocturno.

_Abre as janelas! - Grita-lhe o cérebro como se sufocasse.
As mãos pequenas obedecem instantaneamente e o frenesim, em torno das janelas emperradas, começa até que o ar renovado preencha a mais pequena fenda no soalho ou nas paredes.
O ambiente está viciado e os cheiros que exalam da hipocrisia, da ingratidão e da injustiça são putrefactos, ainda que emanem do sorriso do agressor.

_Abre a porta! - Grita-lhe o cérebro em pânico.
Agita-se a angústia e os passos descompensados tropeçam até que a ordem seja satisfeita. Todas as portas de todas as divisões estão abertas. Nem mesmo os armários poeirentos permaneceram fechados. Não há lugar para mistérios ou segredos. Tudo a descoberto para que tenha uma paz ausente de medos.
A paz é ilusória. Nenhuma distância é suficientemente segura, assim dita a justiça dos impunes.

_ Sai! - Grita-lhe o cérebro num sopro de coragem. - Sustém a respiração até saíres...
As lágrimas brotam e rolam de leito profundo, escavam sulcos e emagrecem o olhar. A realidade é dura! Já não importa ter a casa aberta, o ar inspirado continua contaminando cada célula em seu redor. A razão parece um disco riscado, uma mão pesada que estrangula a consciência e articula os membros como se de um fantoche se tratasse.
O movimento soluçado canaliza toda a energia para arrancar do aconchego as gavetas que albergam os seus parcos pertences. Um a um são transferidos e depositados numa mala de mão. Não há tempo para mais nada, sair é preciso.

Lá fora, o desconhecido, mas também o abraço do sol e a liberdade da luz.
Quando a noite chegar, a casa estará vazia, sem inocente ou cruz.
Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)
"Linha de apoio a vítimas de violência doméstica 800 202 148. Um serviço de informação gratuito e confidencial que funciona 24 horas por dia."

sábado, 5 de novembro de 2011

Obsessão

Respiro e concentro-me no caminho que seguiste,
penso no homem que sempre desejei que fosses,
nos gestos assertivos que nunca tiveste.

Suspiro e caminho seguindo o rasto agitado
de um vento que fustiga em abundante arrogância.
Temo pelas horas que não traz de volta...
Horas sem ponteiros que agravam a distância.

Penso nos teus pedidos sussurrados
como carícias carentes de afecto,
perdendo-se pela carne,
nunca atingindo a alma.

Quem sou, tornou-se a mais importante interrogação.
Muito mais do que essas outras ladras do tempo:
Quem és tu e onde estás? – Perguntei-me incessantemente.
Respiro, suspiro e penso!

Penso neste sentimento que já conheceu o sol.
Agora, oculto-o entre as nuvens cinzentas
para que possa sussurrar nos dias de tempestade.

Adoro que chova porque o sinto!
Rosto molhado, frio que se entranha na pele.
São fios de água, que descem desse céu barulhento,
atraídos por este corpo que o tempo não parou.

Desolado deserto ou solitária ilha?
Vivo a miragem do náufrago,
agarro-me ao nada que me dás:
_ Uma fome imensa, uma fome intensa!

Poema sem sentido, este fogo habilmente tecido
por actos imaginados tão pobremente vividos.
Sim, recordo os beijos roubados, molhados,
e os crescentes pedidos gemidos e sofridos.

A minha alma perdida
entregar-se-ia ao devaneio carnal
por esta obsessão visceral,
este querer-te tanto,
porque te quero ainda…

Voltar…
Respiro...
Suspiro...
Penso no dia...