quinta-feira, 31 de março de 2011

Doce arrepio


Sobressalto e suor...
Toco-me como se quisesse testar a própria realidade.
Acordei e tenho o coração a galope e a fronte molhada.
Sorrio e recordo...
No meu sonho chovia e eu corria por entre os espaços vazios, completamente ao acaso.
Não havia qualquer confusão. A cidade parada num dia de chuva e os espaços verdes completamente desabitados.
Um movimento na folhagem capta-me os sentidos.
Estou alerta e em posição. Sou tanto a Gazela como o Tigre e esperar é preciso para desenhar a acção.
Provavelmente o salto será ágil.
Agora se fujo ou se fico, depende somente da descoberta que realizar.
Um movimento na folhagem que me atrai.
A água escorre no rosto como se fosse eu a sua fonte. Aguça-me o instinto quando entra pela boca e oferece ao paladar o rastro do que tocou.
Eu imóvel, aparentemente.
O meu pensamento é arco e flecha.
Estou atenta.
Um movimento na folhagem, um alvo marcado.
Enquanto espero o sol espreita por entre nuvens preguiçosas.
Eu que tanto gosto de moldar as nuvens sorrio para o sol. Distraio-me!
Não percebo que estás ali.
Anónimo, desconhecido, perigo.
A tua respiração é ofegante. Também tu gostas de correr quando todos os outros se recolhem.
Corres de peito aberto, por caminhos que o acaso te ofereceu. Espaços verdes completamente desabitados...
Completamente, não!
Um movimento na folhagem atraiu a tua atenção.
Estavas alerta e em posição.
Provavelmente o salto seria ágil, se não avançasses destemidamente para a descoberta, de arco e flecha na mão.
Por entre a folhagem, estou eu.
Sorrindo para o sol, distraída, desviei a tua atenção.
Assim sem saber, um frente ao outro. Ofegantes e expectantes.
Se te moves, eu me afasto.
Se me afasto, tu correrás atrás.
Correr seria pura perda de tempo... sinto o doce arrepio...
Sobressalto e suor...
Toco-me como se quisesse testar a própria realidade.
Acordei e tenho o coração a galope e a fronte molhada.
Sorrio e recordo...





terça-feira, 29 de março de 2011

A Razão...




Cabelos de uma longa escuridão
Olhos de um cintilante estrelar
Boca de carne aveludada e sem espinhos
Pele alva como raios de luar

Fui assim um dia
e é assim que me vejo!
Na idade da minha alma…
Na idade que o meu corpo não tem…

Talvez por ter uma alma jovem
Eu te veja jovem também…

Cabelos de ondas negras
Boca de um sorriso constelar
Pele de bronze de aroma letal
Olhos de um tom crepuscular

Foste assim um dia
e é assim que te vejo!
Na idade da minha alma,
na idade que o teu corpo não tem…

Por nos ver assim imunes ao Tempo
Por me ver em espaços que não existem mais
Repletos de sons de uma felicidade suspensa
Acredito que tu e eu éramos os Tais…

Os Tais das histórias de adormecer pequenas princesas
Aqueles cujos actos heróicos e sentimentos intensos
estão gravados na memória colectiva, imortalizados por uma pena criativa
que conta a história de seres comprometidos na Aurora da Vida…

Nasci assim marcada à nascença por um laço indizível
Aquele que é tecido pelo mais puro pedido
e que cravado na luz, de uma alma radiante, faz nascer
os amantes que já o eram, sem nunca o terem sido …

Sem nunca o termos sido – repete a minha alma imortal!
Talvez por essa razão, Eu não nos tenha esquecido…
A minha jovem Alma está presa num feitiço:
Uma fome que perdura, uma sede cativa de desejos tão antigos!

Talvez por ter uma alma jovem,
Idade que o meu corpo não tem,
O meu amor não possa crescer mais…
Na intensidade em que foi sentido, preso também!

sábado, 26 de março de 2011

Suspensa no infinito



Arranca-me as asas e não me deixes sonhar
Usa as palavras como punhais
Desfaz tudo que me é sagrado
Eu mesma não aguento mais…

Só não me perguntes como estou
ou como fico…
Deixa-me suspensa no infinito
e não olhes para trás!

Despedaça o meu peito e enterra o meu suspirar
Não tenho medo de nada ter e de nada sentir
Há muito que o amor se fez à estrada
e eu fiquei a vê-lo partir…

Parte-me os dedos para que morram os segredos
e nada possa contar…
É o fim do soneto, já só me resta gritar!

Parte e não olhes para trás!
Deixa-me suspensa no infinito
que Amanhã já não existo…

Ouve então o meu grito nas lágrimas que verto em vão
Perdida estou no infinito...
Tu, cujo nome repito como um eco do coração,
não te perguntes como estou ou como fico!


Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

Vem!

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)



Vem! - dizes tu - Esquece o relógio, as pessoas que passam, deixa que te carregue para fora da concha que te protege. Treme sem medo que no tremor encontrarás a resposta que dou aos teus anseios. [Atiças o meu fogo desenhando com os lábios o reflexo da minha vontade e eu devolvo-te o ardor marcando-te, com desejo, a boca, a face, o pescoço...]

Penso como todo o tecido entre nós se assemelha a uma multidão indesejável. Quero que tudo desapareça num abrir e fechar de olhos. A urgência é feroz e inunda e transborda.

Vem! - digo-te enquanto escalo o teu corpo e me deixo carregar. Não é dor que sinto quando as costas batem na parede húmida. Não é dor que me impressiona quando os teus dedos marcam nas minhas pernas o trajecto das tuas sensuais ambições. Sem tecido, a fenda suspirante encontra a massa que a preenche e satisfaz. Entre nós há somente o ruído do deleite: gemidos envolventes, suspiros ardentes, pulsação ofegante, batidas ocas, investidas apaixonadas.

Cumplicies, ficaríamos em redor do vento, aquecidos no desejo, perdidos nos beijos e nos braços que apertam vontades com par.
Vem! - Grito uníssono do êxtase...

Acordo e tu não estás. A parede não passou de uma promessa em branco, numa noite sob o brilho das estrelas.

Assim se baila El Tango!



A dança das vontades no rodopiar das pernas.
O encontro de gestos precisos…
A certeza da dor eterna e de um prazer único
no confronto de desejos sentidos…

Assim se baila el tango
Um convite na ponta do sapato
O toque que contorna o traço
A coxa que encaixa e o vestido que se arregaça!

É o diálogo da paixão, do ciúme e da posse
Discurso da sede e da fome,
à luz de um incenso penetrante,
aroma de intensa sensualidade!

Assim se baila el tango
Com desejo que fecunda e contagia
Almas livres na expressão do corpo e do sentimento
Volúpia que no ambiente se propaga e se intensifica!

Palavras que não se proferem, mas que se entendem no gesto
Tinta deleitosa que escorre entre um homem e uma mulher
Noites perdidas que não encontram o descanso na madrugada
Histórias antigas que correm de boca para boca…

Assim se baila el tango
Na meia-luz que atrai e fascina
Movimentos que puxam para o colo
História cujo final apenas se adivinha.


            
                                      

sexta-feira, 25 de março de 2011

Desejo felino



Apetece-me rugir!
Sorrio de dentes arreganhados, pose acuada, mas pronta para o salto.
Sim! Atacar para defender...
Não quero, mas é preciso!

O instinto é forte e guerreiro,
inscreve-se nas listas que adornam o corpo.
Mesmo adormecida, sou felina.
Se desperto, não nego fogo!

Apetece-me rugir!
Sou parte da tribo e quero fazer-me ouvir.
Sinto nas presas a fome e nas garras um crescente aguar...
Preciso esventrar!

Se continuo a negar-me morro!
Morro de água na boca, língua desejosa...
No paladar o teu sabor, no coração o meu amor.
No olhar, a chama ansiosa...

Atenta o movimento. Oculta o teu cheiro!
Dás-me água na boca,
azia, o teu paleio!

Ignoro o teu falar que não evolui!
Fecha a boca!
Entreabre os lábios e obedece!
A carne é fraca e eu estou louca...

Lambo-te a boca!
Sinto o teu peso.
Nada me dá medo...,
Tremo na posse! Finco as garras no teu rosto.
_Não sorrias! Nem com um olhar!
Imperativo de sobrevivência.
Fera que não se quer cativar.

Apetece-me rugir!
Sorrio de dentes arreganhados, pose acuada, mas pronta para o salto.

Sim! Atacar para defender...

Não quero, mas é preciso!

            
                                                  

quarta-feira, 23 de março de 2011

Procura, encontra e tem!



Sim, brinco contigo!
Testo-te e anseio que respondas
na medida que preciso.

Sim, tudo o que faço é para ti...
Acredita se quiseres!
Sim, tudo o que faço é para mim...

Provoco-te, eu sei, sente raiva.
Odeia-me...
Eu não quero saber!

Faço o que me apetece
e o que me apetece,
és tu!

Salta da conha, fortaleza que reveste a tua condição.
Escravizaste-te para quê?
Gostas de viver clandestino, gostas de ver como és bom actor?
Divertes-me, és agridoce, mesmo como eu gosto...

Malagueta, caril, aguardente...
Seja como for uma sede se acendeu.
Um ardor de tal modo insatisfeito
que o meu juízo se perdeu!

Não quero saber de mais nada e de mais ninguém
provoco-te,
procura, encontra e tem!


terça-feira, 22 de março de 2011

Resposta a um ultimato de amor


Ai, ultimatos! Não funcionam comigo!


Atrevo-me a dizer que têm um efeito invertido.
Eu que sou como manteiga ao sol, congelo
Desce-me o diabo ao corpo e o meu bem querer é corrompido!

Sou como uma criança contrariada,
esperneio de luva branca na mão
e enquanto bato e afugento, penso
como seria bom entregar o meu coração!

Mas não posso, não consigo e não aguento!
Os ultimatos põem-me doente!
É um estado febril, um piloto automático que dispara...
Sobreviver é preciso! Independência que se paga cara!

Reajo como uma tempestade e os pingos grossos gritam:
_Não me aceites depois e não me aceites nunca!
Verdade, verdadeira - penso - se o teu desejo fosse louco...
Ignoravas a tempestade que me sai da boca e corrias para mim.

Sabes que fui criada assim, para amar e fugir ao amor
Se espero que estejas comigo?
No inferno se for preciso, vá eu a onde for!

Se respondes com palavras, não fico!
                                        


Poema inspirado no poema Carta de Amor de Marcial Salaverry, PEAPAZ

segunda-feira, 14 de março de 2011

A minha origem e o meu fim!

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)



Esquece o teu mundo e vem perder-te em mim.
Perde também a noite num gesto de amor eterno.
Cuida para que cuides da minha alma nas horas paradas.
O meu corpo adormecido está num ansioso inferno!

E febril, debito sonhos que permanecem mudos.
A maré ardente confunde-se com o infinito
Ondas de um prazer secreto, vibração solitária
Dedos que comprimem a almofada, nome que solto mordido.

Quero que tenhas orgasmos múltiplos
Numa entrega cega e ansiosa potenciada pela sede
O prazer não tem fim, assim como o sonhar…
São ondas do mar que aumentam a minha febre!

Deseja-me uma vez mais, como outrora desejaste
Ainda que hoje não sonhes comigo, sonha-me amanhã!
Tem-me como um princípio!

Verdade que grita quando chove e troveja
Ainda que não a ouça, ainda que não a veja…
Tu, amor, és a minha origem e o meu fim!




sábado, 12 de março de 2011

Amar é levar o pequeno-almoço à cama


Clara adormeceu no sofá, no colo folhas de papel e palavras com haste.
Esta semana é a terceira vez que Alex acorda com a almofada vizinha despida de corpo. Puxa-a para si como se puxasse Clara e deita-se na almofada como se deitasse sobre ela.
Não adormece. Não adormece porque está mergulhado no cheiro de Clara, uma fragrância que inebria e desperta. Desperto, preenche a cama de desejos, imagens dela, recordações de si. O calor aumenta e afasta os lençóis.
Clara estivera a ouvir música e a escrever. Isola-se num espaço reduzido, mas aconchegante. A inspiração é caprichosa, precisa de um certo ambiente. Clara transforma o espaço, altera a atmosfera e deixa-se levar, por vezes, por horas que rouba aos dois. O relógio de uma escritora tem horas roubadas, horas emprestadas, horas recolhidas, horas interrompidas, horas lembradas ou esquecidas.
Alex sabe que a criatividade em ebulição não se pode travar. Assim, como o desejo de um homem numa cama repleta de horas vividas a dois. É o seu sorriso que segue o perfume dela pela casa.
Clara adormeceu no sofá, no colo folhas de papel e palavras com haste. Dorme profundamente e não sente que Alex a carrega como se a fosse quebrar. Ela sorri, sente-se flutuar. O céu tem o cheiro amado. Um cheiro que inebria e que desperta.
Clara sente na ponta dos dedos a vontade. Morde os lábios enquanto esta se torna impaciente. Abre o corpo como um lago. Ele mergulha.
Os olhares aquecidos despiram as roupas, invadiram o silêncio com ondas de exclamações. Por vezes, entre eles, os preliminares são pupilas dilatadas. Quando assim é, por norma, o êxtase vibra com a dança das serpentes. Corpos que ondulam entrelaçados fundem-se em convulsão.
O orgasmo é melódico. As notas suadas desprendem-se e ambos adormecem.
A manhã invade o quarto e beija os amantes. O lençol encobre o movimento das almas ao despertar. Primeiro, sentem o seu invólucro, tomam posse de si. Depois, sentem o corpo do outro no movimento suave das extremidades. Parecem searas ao vento. Uma brisa entre os braços que se amam. Laços que não se desprendem, apenas brincam na leve corrente.
Os estômagos pedem alimento matinal. Eles fingem não ouvir. Olham-se nos olhos, absorvem o cheiro, rasgam o sorriso.
_ Queres o pequeno-almoço? – Pergunta excitado pela fragrância dela.
_ Sim, por favor! Outra vez!
O lençol afasta-se. Não aguenta o calor.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Se não escrevo...




O silêncio pesa sobre cada dedo meu,
obstruindo a janela por onde as palavras fluem,
como se um crescente vazio corroesse a esperança
de um nada ter, que tudo contém…

E se o silêncio pesa sobre as palavras
e corrói a esperança,
mina a confiança que me incentiva a sonhar.
Sem sonhos, nada mais tenho a escrever.

E se não escrevo, como poderei aumentar
a propulsão necessária para me elevar no espaço?
Lugar onde é possível sentir o teu abraço.

E se não escrevo, como poderei eu descrever
o calor que me faz aninhar e respirar ofegante?
Essa força única que me estremece e te faz confiante.

Se não escrevo, como posso esperar desenhar-me na tua boca?
Ávida sede que transforma o meu corpo num rio,
onde uma ponte de suspiros incentiva uma audaz travessia.

Se não escrevo, como me posso atrever
e dizer-te todos os meus desejos?
Resposta que espero contida nos teus beijos
Receios, conquistados, que me fazem estremecer.

Se não escrevo como posso manifestar uma fome tão voraz,
toda a urgência sentida, por uma vontade tão antiga,
que em todas as nossas vidas nos seduz?

Se não escrevo, poderei alguma vez ter-te por inteiro
sem máscaras e sem receios?
Despido de todas as farsas e de todos os freios,
vestindo-me da cor dos nossos devaneios.

Se não escrevo, como quem faz amor contigo
conseguirei fazer-te recordar?
É por esse fogo que escrevo, aquele que conheço
e que aguarda a hora que vai chegar…