segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Não é amor! (Décima oitava carta)



Estranhamente sem razão, sem qualquer sentido
Um deserto instalado, de frutos desprovido
Árido, agreste, silvestre
Ainda assim, o caminho que sinto…

Não lhe chamo amor
É um sentimento sem nome
Uma irrealidade absurda
Mistura-se com a vida e a confunde

É o som mais leve na cauda da sinfonia
A perturbação no ar, rasto do voo
O gesto secreto do mimo
A primeira gota de chuva

É um passeio de pensamentos desalinhados
Uma subcorrente que desvia
Um gesto não pensado
Uma vontade silenciosamente repetida

Ainda que partilhe da essência do sonho
e do aroma da dor
Ainda que não se possa viver, nem se possa matar.
Não é amor!

Ema Moura

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nada mais (nona carta)


Profundos versos do qual sou fonte de inspiração
A minha vaidade é agora uma taça cheia
Sim, devo alertar-te que é o orgulho que me instiga.
Tal como foste no Passado, sou eu hoje a areia…

Nada deves construir com o que escorre por entre os dedos
Os teus castelos são frágeis, ainda que de rara beleza
A hora da maré logo apagará as marcas da tua existência
Não o afirmo por despeito ou  carregado de tristeza.

Não deveria ter perguntado se vinhas comigo
Foi o mesmo que pedir à pólvora para beijar o fogo
As palavras também inflamam e os teus olhos…
Os teus olhos têm o brilho do amor e do desgosto.

Os teus olhos têm a força de cem velas
Confesso que senti fascínio, tal foi o espanto!
Uma palavra minha e o Natal chegaria mais cedo…
Estranho poder o meu, assombroso encanto.

Não obstante nada mudou! Nada existe!
Nada guardei  de teu. Nada foi meu.
O ciclo lunar manteve-se ininterrupto
O meu caminho raramente se cruzou com o teu…

Para que não haja engano, repito:
Não houve história
Tudo limpei da memória!

Esquecida e enterrada ficaste tu
que sei como eras,
por que nome respondias …
Nada mais!



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

«Pele...»


Ao cessar o barulho do motor, o silêncio chegou-lhe aos ouvidos como um som gritado a distância. Não sabe como ali chegou ou porque parou. Absorta, permanece imóvel observando a invasão húmida que satura o ar. O olhar suspenso segue o contador dos minutos e os pensamentos perdem-se por entre fios de cabelos que se alisam no movimento repetitivo dos dedos.
«Pele…»

O som generoso da chuva e o eco dos seus salpicos fazem-se sentir, arrancando-a do estado letárgico a que se entregou. Água e pele, pedras a um charco provocando ondas, gerando um impulso que lhe percorre o corpo. Em resposta, os movimentos mecânicos param e os lábios distendem-se num sorriso que compreende tudo o que é necessário e o que deve ser feito. «Pele…» - A sua pele antes e mais do que qualquer outra.
Subitamente, como se estivessem livres de todo o torpor, os dedos deslizaram pelo pescoço, cercando sorrateiros o emaranhado de botões, livrando-a habilmente de toda a roupa.   Pudesse de igual modo despir-se de todos os seus receios, mas a verdade é que se sente hesitar e receia ser tomada pela indecisão. Então, de olhos postos no tecido protector, inspirou - conciliando os seus receios e os seus desejos – e antecipando-se à crescente hesitação, abriu a janela e atirou as roupas fora.

Assim permaneceu breves minutos na noite escura, inalando e exalando compassadamente, estabilizando o ritmo cardíaco. Oculta, sorria empática ao contemplar as sombras apressadas fustigadas pela chuva, corpos encolhidos, vergados por outras vontades. Também ela conhecia uma vontade vergada, rejeitada ou negada. Também ela reconhecia no seu próprio corpo as marcas curvadas da submissão. Assim, fora um dia e por demasiado tempo!

Vestiu a gabardine, que tinha passado despercebida no banco de trás, ligou o carro e concentrou-se na imagem mental que se afigurava como sendo o seu caminho e destino. O trajecto fê-lo voando, animada pela visão de memórias futuras. Imagens nítidas, marcadas apenas pela ausência da cor, contrastando com uma pele ornamentada em tons de rosa e de vermelho ruborizado.
«Pele…» - A sua já não lhe bastava.

Ao chegar à praia, encontrou na agitação marítima um eco do tumulto que sentia. Espelho dos seus receios e desejos, a espuma rendia-se corajosamente na areia branca, incentivando-a a prosseguir no seu caminho. A expectativa crescente abre comportas e uma mistura explosiva, aromática e erótica percorre-a como uma corrente eléctrica, fazendo-a caminhar com a agilidade de um felino. Um único pensamento, um enfoque claro na direcção a seguir… Ele já a esperava e ela fizera-o esperar como ninguém.
«Uma vida! » - Dizia-lhe.

A cada passo, um gesto [a certeza dos seus sentimentos, desfazia todos os nós]. Os seus olhos, habituados à escuridão, orientavam-na rumo à casa na praia, à porta aberta, à silhueta masculina. Ele estava à porta, no olhar uma ânsia que tomara lugar por demasiado tempo.
«Pele...» - Ele queria-a e a sua já não lhe bastava.

Tentou esboçar um som de boas-vindas, mas as ondas do mar, em rebentação costeira, apenas facilitavam a linguagem dos olhos. Abriu os braços, fechou-os num abraço...

Mais tarde, teriam de procurar as marcas da sua passagem, conectando à terra o sonho que ora viviam. Entretanto, cada toque aproximava-os mais da sua forma etérea e a pele, que tanto queriam, era já uma mescla de fragrâncias invadindo todo o ambiente.


sábado, 9 de junho de 2012

Proposta


_Pense na minha proposta - disse ela batendo com o cartão na mesa sem desviar dos olhos dele - poderá contactar-me nesse endereço, telefone primeiro.

Enquanto ela se afastou, ele não se moveu, Parecia pregado ao chão, concentrado no pequeno papel deixado sobre a mesa. Por um milésimo de segundo, tudo desaparecera. A venda da propriedade, as dívidas, as obrigações familiares, todas as preocupações. 


A pancada seca na madeira despertara-o do transe. Nesse feliz vazio, onde se encontrara, apenas tomara consciência da presença dela, não ouvira qualquer proposta. 

Sacudiu a cabeça, deslizou os dedos pelos cabelos, soltou uma gargalhada tensa como se o libertasse de algo. Ainda assim sentia-se amarrado e os seus dedos seguiam hipnotizados os aromas que emanavam da mesa e num impulso levou o pequeno papel ao nariz... Rosa, jasmim, violeta, flor de laranjeira, gardénia, madeira de cedro, sândalo e âmbar...


No bolso da camisa, junto ao peito, ardia e seduzia-o a ideia de voltar a vê-la. Recordou os olhos expressivos, a tensão palpável, o movimento dos lábios. A verdade batia-lhe no corpo como ondas de calor. Não havia proposta alguma, apenas um «estou aqui, segue-me, vem».




domingo, 27 de maio de 2012

Cativa



Tenho a palavra presa, engasgada, perdida entre os nós dos dedos.

Tenho-a contida, fechada, como se fosse perigosa para si mesma.

Tenho-a sufocada, chorada e sorvida no silêncio da noite que não se quer perturbada.

Sinto-a na ponta da língua, no roçar dos lábios, na fricção dos corpos, na convulsão prazerosa, no gemido mudo.

Sinto todas as suas letras, vejo todas as suas formas, torturam-me os seus significados, mas nada posso dizer e nada escreverá enquanto me tiver assim...




sábado, 26 de maio de 2012

Solidão

Um dia o vento soprou com tal intensidade que pensei que me colhia, arrancando-me pela raiz. Resisti, ora abraçando o solo, ora erguendo os braços como bandeiras da minha forte vontade. 

Era um vento passageiro, propício a todos, os que de olhos postos no horizonte, não fixam raízes…  Vi-os partir, na corrente que se desconhece a origem e que ninguém sabe para onde vai. Apenas sabiam que era feita de ar, da mesma matéria dos sonhos, e isso bastou-lhes. 

Eu fiquei... «Resisti!» 
[Loucos aventureiros!] - Pensei, enquanto justificava a minha solidão.


Ema Moura

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Entre a lua e o sol



A Alma vagueia na imensidão das horas, nas verdades que busca e que perde ao regressar. Vigilante traça voos imaginários, como uma ave engaiolada, na agitação frustrada das suas asas. O coração dorme agitado com consciência do vazio, acumulando aveludadas tristezas.

Todos nós nascemos cativos, aves de gaiola. Mas existem momentos, subtis minutos, em que a liberdade toma por referência a expressão da alma, como um sonho que se tem e que não se esquece.

A Alma não dorme, regressa ao movimento dos lábios adormecidos. No gesto involuntário do despertar, solta num murmúrio a verdade que encontrou e que da qual se despede, 

«Meu amor, a tua felicidade, longe das minhas mãos, anoitece...»



sexta-feira, 27 de abril de 2012

Pensamento: Sonho


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Pudesse chover assim!

Chovem gotas de água quente. As mulheres correm para a rua, apanham-nas com os seus vestidos. Singelo deleite de risos cristalinos, cabelos molhados e pés descalços, dançam como crianças ou como raparigas crescidas.

No rodopiar infantil, apanham a roupa estendida. Sorriem para as vizinhas, irmãs na alegria da tarefa. São como gémeas de rosto molhado, cabelo colado, dançando sob um céu generoso. Não importa que o cesto esteja novamente cheio. O sol há-de chegar e o vale espreguiçará, novamente, repleto de lenços perfumados.

Mas agora chove e as gotas são quentes!
Cantam as mulheres de espanto, dançam com alegria.
Pudesse chover assim, um pouco todos os dias.
Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Confissões de um conquistador

No mundo que piso sou prático.
Acredito apenas no que vejo e no que sinto,
Crio as minhas rotinas e sou-lhes fiel!

Mas, como a maioria dos homens, vivo o momento.
Travo outros conhecimentos, outras companhias....
Mulheres em cápsulas de adrenalina, injecções de vaidade.
Alimentos para um apetite que se sacia e logo se farta.

Sou um homem de poucas palavras.
O flirt é pobre em vocabulário,
O que não digo é parte do encanto.
Agrada-me que completem os espaços em branco.

Mulheres, troféus de saliva na boca amiga,
Gargalhadas cúmplices de cervejas molhadas.
Contos do tremoço que se cospe para o lado,
Partilhas normais entre camaradas.
É assim que começa…
É assim que acaba!

Surpreendem-me aquelas que falam de mim
como se vissem além do que eu vejo...
Mas tudo o que lhes deixo, de tão superficial,
faz da profundidade um lugar desabitado.
Na verdade, nem mesmo eu lá vou…
Quem saberá como sou?

O engano não é meu, acreditem!
Sou marido de uma, mas homem de muitas...
Nada deixo ao acaso, nos desvios da minha rotina fingida.
Passos que dou apenas na areia de praia,
Que se o vento não apaga a prova, o mar leva-a…

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)