quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ouve-me


Ouve-me
Eu que te chamo desde sempre
Quando era apenas poeira que brilha
Quando era apenas, desta vida, semente.

Ouve-me
Eu que te falo de um tempo sonhado
Voz que canta no teu dormir
Canção que esqueces quando acordado.

Ouve-me
Eu que peço ao universo,
o enlace dos fios que nos prendem
Desejo presente em todos os meus versos.

Ouve-me
Ainda que penses não conseguir
Pois eu sou a aurora nos teus sonhos,
a Alma que te vê partir.



sábado, 24 de setembro de 2011

Amarro-te!


Amarro-te!
Prendo-te no olhar
Laço mais forte não existe
Não poderás fugir
Não poderás gritar...

Amarro-te!
Tenho-te submisso
Escravo dos meus caprichos
Sede que não sacio
Apenas porque me dá prazer
Ver-te...

Amarro-te!

Privo-te de me tocar
Danço à tua volta
Invado a tua mente
Ouves e sentes-me...

Amarro-te!
E amarrado tenho-te
Enquanto crio pontes com o corpo
Caminhos que subo e desço
Pelo prazer que me dá
Ter-te...

Amarro-te porque o meu laço
te liberta
E enquanto o amor desperta
tenho-te assim,
Cativo em mim.

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)



terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ofélia

Hoje, sou manta morta,
não sinto mais.
Hoje sou massa disforme
preenchida por um turbilhão de ecos vazios,
gestos retorcidos que não formam coisa alguma.

Hoje, o meu ritmo cardíaco é fraco
assim como é o volume da minha voz
Perco a vontade, escapa-se-me a vida...
Sem razão não vivo!
Sem esperança deixo-me ficar...

Hoje, a minha pele não reage
Não treme, não arrepia...
Como me sinto à deriva,
penso que há muito morri
e que o não sabia.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Brilho!

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

"Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa."
Fernando Pessoa

Dezasseis horas e o sol aperta e sopra secando a garganta, enquanto fios de suor escorrem pelas costas do vestido. A sede é de tal maneira que para a saciar entro no café mais próximo, ignorando os sinais de proibição há muito impostos. É um risco entrar ali, mas na verdade naquele lugar específico apenas te encontrei uma vez e isso foi literalmente no século passado. Diga-se de passagem que desde que ali te vi, nunca mais lá entrei...
«Cresce rapariga!» - Penso e entro.
A pastelaria está praticamente vazia, o que me faz suspirar de alívio. Contudo, o curto trajecto até ao balcão incomoda e irrita. Está tudo igual, desde a decoração à disposição das mesas. Talvez me sentisse melhor se não restasse absolutamente nada do que ficou gravado na memória.
_ Um café e uma água fresca, por favor! - Peço ao empregado, enquanto olho em volta como se não soubesse o lugar onde me iria sentar. Na verdade hesitei entre sentar-me na tua mesa ou ficar de frente para ela.
«Cresce rapariga!» - Penso e sento-me num lugar ao acaso, forçando o olhar a fixar-se num qualquer outro ponto. Como se precisasse olhar...
Poucos minutos depois, menos ansiosa e de sede saciada, passeio os dedos curiosos pelo jornal diário. A pressa de sair foi-se diluindo à medida que a leitura substituiu as preocupações iniciais por outras mais comuns à maioria dos cidadãos: crise e insegurança na ordem do dia.
Enquanto voltava as páginas do jornal, o frenesim no café ora aumentava ora diminuía num ritmo tão constante que me permitiu abstrair destas mudanças no ambiente. Uma hora permaneci no mais absoluto silêncio e ainda me dei mais alguns minutos após o dobrar das desgraças noticiadas. Sentia-me mais corajosa, capaz de quebrar muitas outras rotinas, de viver mais a vida. Assim me sentia até que me levantei e te vi ali, onde já não pensaria voltar a encontrar-te...
Sorriste. Sorris sempre. Assim, como se a vida te desse um acesso privilegiado aos raios de sol.
«O meu deserto...» - Penso enquanto arrasto as pernas nervosas, maldizendo a hora em que lá entrei ou o simples facto de não ter pago logo a conta.
No meu caminho estás tu e o espaço é tão reduzido que te ouço respirar. Um formigueiro percorre-me todo o corpo e as imagens que me tomam de assalto fazem-me estremecer: lábios, língua, hálito, húmido, frio, calor, suave, brilho...
«O meu inferno...» - Penso enquanto me obrigo a partir com uma sede maior da que tinha horas antes. - «O teu corpo... Quero-o tanto que o meu me dói...»
Dobro a esquina, coloco os óculos escuros e fixo um objectivo no horizonte, algo que me faça andar, um lugar para onde ir. No rosto sinto a nascente transbordante, lágrimas ou desejo, qual quebrará primeiro…
Afasto-me para que os possa libertar a sós, evocando o rio das impossibilidades que existiu sempre entre nós: ele não virá, mas se viesse eu não iria com ele.
Procuro refúgio num antigo jardim, de uma casa esquecida no tempo. Pedra corrompida pelas persistentes trepadeiras, erosão silenciosa, refúgio perfeito de um tempo que volta e meia pára.
Encostada a uma parede permito-me apenas respirar, os olhos ainda estão cegos e o corpo em choque.
«Ficarei apenas o tempo suficiente para que as próprias ruas se esqueçam que passei ali…» - na verdade dou tempo para que a vida redefina os seus caminhos para que não nos cruzemos novamente.
Mas hoje interferi com o normal curso da vida e o inesperado, tantas vezes imaginado, agarrou as rédeas e aproveita o momento.
O portão chia uma vez ao abrir, outra ao fechar. Os passos arrastados marcam o pesar de quem chega. O som ecoa nos ouvidos, como um som isolado e uma frequência singular que se alinha e interfere com o pulsar do meu coração. Não esboço o menor movimento até que os meus olhos, pregados no chão, se fecham e estremecem perante o sol que irrompeu pelo jardim.
Olho-lhe nos olhos sabendo que a cegueira crescerá para além deste tempo suspenso. Uma pausa no universo permite, momentaneamente, que uma ponte, desenhada no olhar, una dois mundos. Assim, permanecemos em silêncio sentindo o pulsar, o alinhamento, a bênção de um momento propício e perfeito.
A luz crepuscular não diminui a temperatura, antes confere ao ambiente uma qualidade do irreal na qual nos sentimos tão especiais. A cor devolvida à face inunda os lábios vacilantes, tornando-os num jardim florido em tons de rosa enrubescido.
Ele sorri e ela é ri… Impossível não rir… Nunca o conseguiu!
Um passo dado, braços que se estendem, bocas que se confundem, dedos que libertam botões… É a própria liberdade que os acorrenta no corpo de um no outro. Pele sobre pele. Ouro e platina. Brilho até que a ponte se desfaça e o rio os mantenha em margens opostas.
Se eu quisesse ver-te, saberia onde...
Os caminhos que evito, as paragens que não faço são pequenos gestos que me dizem - ainda que o não queira saber - que te levo comigo. Escapei de ti, é certo, mas contigo deixei tudo o que queria viver.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Minha!

«Minha!» - Palavra apertada entre os nós dos dedos, enquanto o pé carrega no acelerador.
Abre a janela e espera que o vento preencha o espaço com os aromas campestres e que estes o acalmem. Ânsia de chegar ao lugar de onde nunca deveria ter partido.

«Minha!» - Palavra concentrada a cada nova mudança, a cada quilómetro percorrido.
Concentrar... missão quase impossível! As cores do próprio campo despoletam imagens há muito gravadas: lábios como cerejas suculentas, cabelos como a asa de um corvo, corpo curvilíneo como o caminho a percorrer, olhos cheios de água, como lagos profundos onde o sol repousa todas as noites.
Os dedos percorrem os cabelos como se o gesto pudesse aliviar a tensão que sente, como se a carícia fosse o prelúdio de muitas outras. Ânsia de chegar, antes que ela hesite e vá de novo embora...

Novo desvio, afasta-o do itinerário principal, dos viajantes, dos locais. A casa parece estar num lugar isolado e àquela distância apenas consegue distinguir o telhado claro e o manto verde que a cerca. No jardim as sebes floridas marcam todo o espaço, aconchegando-o sob trepadeiras suspensas.
O caminho até à casa é feito a pé, como se quisesse afastar todos os ruídos artificiais, aqueles que muitas vezes se colocam entre as pessoas, separando-as...
«Minha!» - Palavra suspirada ao toque aveludado das flores no caminho.

Estremece perante a porta aberta, revê as vezes que por ali entrou, carregando-a nos braços como se tivesse colhido a felicidade por entre as árvores de frutos. Recorda, tantas outras, em que não chegaram a entrar, amando-se à porta de casa, por entre malas e sacos espalhados na urgência.
Entra sem bater, o coração na boca profere o nome dela, contraindo-se na ausência de resposta.
Alarme, confusão, medo... Nuvem negra passageira, dissipada por um "estou aqui" como o canto de uma ave numa manhã de sol.

_Minha... - Palavra diluída nos lábios como cerejas suculentas, cabelos como a asa de um corvo, corpo curvilíneo como o caminho a percorrer, olhos cheios de água, como lagos profundos onde o sol repousa todas as noites.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Caminhar


Sigo os meus passos como se fossem de um caminhar diferente, vejo como se encaminham para as ruas desertas no silêncio da noite.

As sombras tão ruidosas e intensas realçam o contraste axadrezado dos passeios. Luz e escuridão em tons graduais de branco e negro, para trás fica tudo o que é colorido.
A cidade não dorme.
Aqui e ali espectros viajantes deixam um rastro perfumado no ar. As fragrâncias gotejam dos telhados contando os minutos que enchem pequenos espelhos de água.
Pensei que teria medo ao passar junto aos becos mal iluminados, mas na verdade, apenas sustenho a respiração quando os meus passos se deixam ficar contemplando o breu desconhecido. Concentro-me nos sons que chegam: uma tampa que salta, a fúria de um gato, uma garrafa que parte, uma tosse cavernosa...
Alívio sinto nos passos apressados que sigo, respiro ao afastar-me dos becos sem saída.
Não me pergunto sobre o que ali estou a fazer... A mera suposição de acção vence qualquer discussão interior.
No fundo da rua uma ponte, do outro lado a escuridão é mais densa. Os passos hesitam sem contudo suspender o movimento. Agem como se não houvesse volta a dar ou talvez saibam para onde vamos...

Eu não sei, mas isso agora não é relevante, sigo os meus passos em seu caminho e por ora é tudo o que me sinto impelida a fazer.
Caminho, ainda que não sinta os passos como meus.
Fotografia de: Um outro Olhar (contém hiperligação para a página do autor)