sábado, 25 de setembro de 2010

Rosa-dos-ventos

(contém hiperligação para a página de origem)


Na imensa escuridão e na hora mais silenciosa, ainda que os meus olhos permaneçam fechados, raios de luz despertam-me de um sono profundo e notas musicais vestem-me de vermelho e de cristal.


Confio e não temo a brisa que me incentiva a sair do meu nicho...


_Vem...por aqui, anda! - Diz num suspiro, como se há muito me esperasse.

Sigo a fragrância que ilumina o caminho, conduzindo-me por passagens cinzentas até uma janela que pensei não existir.


Lá fora há sorrisos e a melodia convida-me a subir para o parapeito daquela janela, com se de uma porta se tratasse. Subitamente, vejo-me rodeada por mil borboletas, pequenos arco-íris alados que me transportam como não fosse um fardo, apenas penas!


Sobrevoamos um jardim de águas tranquilas que me beijam saudosas!

Toda eu sou brilho, cor, luz... anseio saber para onde me levam, mas receio quebrar o encanto, talvez acordar.


Tudo o que vejo corre-me nas veias como se fosse parte daquele todo. Estarei eu a sonhar?

Sonho ou não, não me rendo, entrego-me!


O vermelho do meu vestido intensifica-se em harmonia com as minhas emoções... sou desejo!


O meu riso ecoa no paraíso e o eco devolve-me mil vozes que me saúdam.

O meu coração é um tambor na selva quando os meus pés tocam um chão forrado de pétalas. A seda acaricia-me e eu agradeço bailando em pontas, tentando preservá-las o mais possível.

Sigo o caminho serpenteado, esculpido pelas raízes criadoras de toda aquela imensa vida.

A cada rodopio sinto mais firmeza, executo uma coreografia de um bailado que os meus gestos parecem recordar.


_Eu sou uma rosa-dos-ventos! - Grito quase tão infantil como o foi um dia, ali naquele mesmo lugar. Um grito que retirou todo o ar, para que respirasse apenas as memórias que eu mesma plantei.


Instintivamente grito de novo em todas as direcções e enquanto a minha voz ecoa no espaço, o eco devolve-me, no silêncio que se fez, apenas uma voz que diz:

_ Tu és uma rosa-dos-ventos e eu sou o cardeal de todos os teus pontos! Se me procurares encontras-me e se me encontrares...

_ Encontro-me! - Completo, como se de uma lengalenga se tratasse, algo repetido ao longo de anos, mantido em segredo dentro de mim.

Ilumino-me como um cristal, a brisa envolve-me e dança comigo, feliz, mas pretendendo confortar-me e num sussurro solene diz:
_Chegou a hora que o galo anuncia aos homens como o nascer de um dia e às almas que é tempo de regressar!
_ Mas, eu sou uma rosa-dos-ventos que perdeu o cardeal dos seus pontos e este espera por mim - Respondo sem compreender!
_ Logo chegará a hora silenciosa que te trará de novo a este lugar e a cada noite se clarificam as memórias, conduzindo-vos rumo ao encontro. Porque o que um perdeu o outro procura. Ambos são partes de um todo, que se completa quando a busca conhece o seu fim.

Autor desconhecido 
(contém hiperligação para a página de origem)

De olhos postos no infinito que se oculta com o raiar do dia, rendo-me à força que me puxa de volta.

Feliz na ignorância, abençoado caminho!
Por hora, saber que existes basta-me! - murmúrio que ecoa no vazio, enquanto os meus olhos se abrem e a minha alma adormece.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Cabelos ao vento


Cabelos ao vento, aconchego quente, sorrisos que os meus lábios não conseguem conter.

Entrego-me por completo ao impulso que nos faz correr rumo ao desconhecido e não tenho medo. Quero sentir o pulsar do meu coração e o suor do teu corpo, enquanto te estimulo a ir o mais longe possível. Estamos unidos por uma mesma vontade, curiosamente sem destino, deliciosamente projectada no caminho incerto que surge à medida que avançamos.


O trajecto que desenhamos com o corpo, não é mais que uma noção vaga dos obstáculos ultrapassados, contornados a uma velocidade estonteante. Não sinto necessidade de ter certezas, não tenho medo de me perder, apenas entrego-me a este desejo que me faz apertar o corpo e impor o ritmo.


O terreno acidentado potencia a aventura, o céu desfaz-se num pranto e modera a temperatura dos corpos que aquecem acusando o esforço. Bebemos das suas lágrimas e recuperamos forças para, de novo, nos entregarmos a uma corrida urgente e sem uma razão aparente.

Aparente… Desejo intensamente chegar a um lugar a que possa chamar abrigo... Nunca pertenci a lugar algum, mas sempre pressenti a existência de um refúgio que potenciará quem sou. 

Na tua garupa e a galope tento a sorte, tento a vida, sinto-me viva! Livre de todos os açaimes e correntes com que me prenderam até que me negasse, até que tivesse medo de sentir, medo de ser quem sou e como sou.

Enquanto me lanço vertiginosamente para a frente, querendo mais velocidade - como se pudesse impedir mais um desencontro - confesso-me ao vento, primeiro subtilmente, como um murmúrio, depois a voz solta-se num grito suplicante:

_Por favor, ainda nesta vida, para que siga a pista na próxima...


Encontro-me no Nada. Não existe qualquer outro ruído para além do meu pensamento. A luz não me fere os olhos, pelo contrário, põe a descoberto o que antes eram apenas contornos.


Suspendo a marcha, mas sinto-me fluir, atraída pela energia que emana de uma nascente, espelho que me reflecte como se fosse uma mulher diferente.


Então, eu sei... É preciso procurar primeiro a felicidade que reside em nós, antes de a encontrarmos no Outro. Sinto na verdade que não existe refúgio mais seguro do que a minha própria fortaleza, primeira linha de defesa e força libertadora.

Não tenho medo de regressar, sinto os passos mais firmes, menos ansiosos. Solto os cabelos e deixo que o Vento nos conduza a casa. Liberto o sorriso que não quero conter e iluminada, aprecio o passeio.
Atrevam-se a viver. Hoje e sempre!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Palavra anónima


Por vezes, as palavras são como as folhas das árvores no Outono, despem-se e despem-nos. Mas ao contrário das folhas secas, que o vento nos oferece como se fossem tapetes e que as sentimos quebrar sob os nossos pés, as palavras não nos tornam mais visíveis e nem sensibilizam os outros quanto à nossa existência.

Ainda que tenhamos sido apenas uma pequena centelha numa avenida de plátanos, vestida de cobre e sangue, ainda que a nossa voz fosse apenas um nota numa harmoniosa melodia e o cheiro uma essência que embora doce se diluiu com as demais fragrâncias, ainda assim, permanecemos anónimos entre os demais.

O vento impele-nos a conviver, empurra-nos, como folhas, de encontro ao desencontro. 
Um pequeno ribeiro ou uma torrente de palavras são facilmente ignorados no seu no caminho.

Antes fossem como um barco de papel que na sua alegre viagem, a todos capta o olhar, fazendo-nos ansiar por uma travessia segura.
É apenas um barquinho de papel e se faz notar!

As palavras que nos desenham, sem linhas ou sombras, essas continuam ignoradas, a menos que por ilustrações se façam acompanhar.

Apela a imagem e a memória regista o slogan. É a palavra vendedora, vendida ou à venda!Eu não vendo e nem compro palavras. Gosto da palavra semeada que cresce carente de cuidados.

Naturalmente, é tão bela a palavra silvestre como a palavra polida, ambas brilham como pirilampos animando a noite. Mas ninguém pára para olhar para tão singela sinfonia e apenas alguns suspendem a marcha para colher a palavra campainha que salpica colorida os caminhos, nos quais nos cruzamos indiferentes, desconhecidos.
Então escolhi!
Optei pela palavra que suspira, por aquela que dança como as searas ao vento, ainda que não me vejas, ainda que não saibas quem sou ou onde estou!



Talvez um dia, olhes para mim e me vejas como quem lê um livro.
Talvez um dia, eu seja a palavra colhida, cuidada no teu jardim!
Por ora, sou palavra anónima.
Anonimamente livre!
Ainda que ilumine uma avenida, ainda que faça parte de uma sinfonia, ainda que deixe no ar uma fragrância doce que não te fará recordar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Lendariamente sem opção

A escuridão avança, tal nuvem negra que anuncia a tempestade shakespeariana que reside em mim.
"Ser ou não ser" interrogação pura, genuinamente intemporal. Uma hesitação que me mantém suspensa, ainda que o Tempo não espere e a Vida continue em frente, indiferentes ao meu dilema.
Sinto uma estranha e permanente inquietude, um barómetro que anuncia uma tempestade. Procuro-a no horizonte e iluminada como um farol, encanto-a e espero que se aproxime.
Não temo a intempérie, na verdade, amo a sua alma viajante e os lugares que sabe existir.
Tenho esperança na sua inclemência, nessa força capaz de me arrancar do meu coma vigil.
À primeira golfada de ar, grito! Peço-lhe que me leve a consciência, ainda que me roube o sopro da Vida, ainda que a Palavra fique, neste mundo, infinitamente por proferir.

_Protege-me!- Suplico.- Leva-me para um lugar sem noção de Tempo, em que tudo o que me espera é infinito e concreto. Leva-me para um lugar em que as palavras soltas pelas consciências estão em harmonia com as intenções, porque de contrário não existiriam.
Autor desconhecido
(contém hiperligação de origem)

Sonho com tal lugar, enquanto contemplo a tempestade que passa ao largo e as suas correntes chegam até mim suaves, como brisas que me beijam o rosto, carregando consigo apenas as minhas lágrimas.
Então, escrevo e engarrafo as palavras, na esperança que a corrente as leve para as mãos tempestuosas que não me carregam.
_Leva-as!- Grito-lhe, na esperança que sopre as minhas palavras para aquele tal lugar.
_Leva-as! Para que os teus ventos as depositem na boca certa, que proferindo-as sentirá o mesmo anseio, partilhando comigo esta inquietação que me impele a escrever.
Por ora, estou só, entre mundos cuja fronteira não é visível aos demais.
Protejo a Palavra, esperando que esta corresponda à devoção que lhe dedico.
Ama-me, peço-te! Ama-me, como sempre me amaste!
Suspiro, iluminando a noite com a minha presença.
Pálida e frágil luz num lugar tão inóspito... Mas, eu sou Eva, lendariamente sem opção.