terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pintura introspectiva


Tantas questões de resposta simples,
tantas a que não respondo.
O que querem diga?
Apenas pinto o que vejo,
ainda que mais ninguém o faça...

Fecho os olhos, remeto-os ao interior
A dor está presente e é imensa.
Sacode as copas das árvores,
cria remoinhos de folhas,
espalha o caos pelo chão.

Parece-me.. Divertida?
Vejo-a nas colinas,
rodopiando até cair.
Parece sorrir...
Juro-vos que ri para mim!

Continuo o meu caminho,
opto por seguir o aroma das cores,
mais forte aqui do que no exterior.
O que vos posso dizer?
Também a mim me surpreende
este verde imenso, repleto de flores.

Na linha do horizonte, um telhado camuflado
confunde-se com o pôr-do-sol.
É o espelho de água que o denuncia,
vi o seu reflexo.
Parece-me caminhada de um dia,
demorou apenas um instante de pensamento.

A casa está fechada, vazia, desabitada
Incomoda a paz que se sente.
Penso nos que se remetem ao silêncio,
encontrarão eles tal sossego?

Tantas questões de resposta aparentemente simples,
Tantas a que não respondo...
O que querem diga?
Se é a paz que vejo neste isolamento,
como a antítese perfeita do que vivo.
Apenas pinto o que vejo,
ainda que mais ninguém o faça...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Silencia o teu amor


Silencia o teu amor,
Hoje, não é amor que quero sentir...
Despe-te desses sentimentos que te fazem ter cuidado.
Não quero que me tenhas num pedestal...
Não eu que sou feita de carne.
Não eu que sou feita de amor!
Silencia esse teu cuidado,
Ruge e toma posse
É um salto do diabo,
Saltar assim tão livremente...


Fotografia de Fábio Martins (contém hiperligação para a página do Autor)


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tudo o que sempre quis...


À deriva,
como pó cósmico num imenso universo,
é nas estrelas que me procuro,
é nas estrelas que encontro...
O teu rosto, por entre todos os que se cruzam comigo.
Nada de especial - diria - se não fosses tudo o que desejo
Ainda bem - penso - que o meu desejo é mudo...
Amordaçada no prazer,
o teu nome arde-me nos lábios.
Sussurro, por entre dedos mordiscados,
tudo o que sempre quis!
O meu corpo em delírio
alma minha que perco,
sem medo,
sem castigo...



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Monólogo da memória

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)


Fecha os olhos. Esquece que viste os véus que libertei no vento [transparências do Ser que substituí por metros de tecido enrugado, áspero como o sol pode ser]. Esta pele que não sinto como minha, não passa de uma película que me esconde, enquanto desapareço por entre as dunas do esquecimento.

Não dei pelo tempo passar. Não notei quando a trilha se tornou agreste. Não até ser tarde. Não até ver diluídos - num mar morto, denso e crescente - todos os sonhos que sonhei. Cresce um mar onde eu definho.

Fecha os olhos sente a brisa quente. Concentra-te no movimento das ondas de areia. É ilusório, bem sei. É o calor ondulante. É o reflexo cintilante dos milhões de grãos que o vento não pára de empurrar para dentro de mim. É infértil, mas sinto-o crescer. Cresce o deserto onde eu definho.

Fecha os olhos. Concentra-te no som da chuva, no cheiro da terra molhada. Esquece que tenho sede, que estou faminta. Imagina-me e perde-te nos detalhes. Pés feridos, unhas gastas, mãos ensanguentadas, com um sorriso não se afunda, nem se soterra. É um sorriso esculpido no tronco da esperança. Desenhei-lhe a forma de uma ponte, de uma jangada, de uma tenda. É um sorrir do céu, um singelo oásis, neste meu deserto rodeado de mar, que cresce enquanto definho.

Fecha olhos, esquece-me agora…

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Salto de fé

Salto com força para os espelhos de água que a chuva estende pelo chão. Destruo a imagem que neles se reflecte. Não quero saber quem é ou quem poderia ser, simplesmente não a quero ver!
Salto com a agilidade de um gato empoleirado nos galhos secos de uma árvore e no gesto descarrego ancestrais coreografias, executadas por diferentes crianças em diferentes épocas.

É a dor que me move, espelhando no rosto uma alegria, como se o exterior reflectisse o negativo. Não sei porque tal acontece. Como não sei porque o meu pensamento se assemelha a uma vida mais intensa que esta vida que vivo. Estarei eu sempre a dormir?

Agito os pensamentos, como se os pudesse afastar do torpor que me toma e me resgata para essa vida que sonho. Em resposta à breve ausência, salto para os charcos de água gelada - como se fosse pequena de novo - e o som da cidade, dentro de mim, é abafado pelo trovão que me sai dos pés. Por momentos, derivo no esquecimento e no nada sentir...

Salto porque me liberto do que respiro e do que me inspira. No gesto, voam livres milhares de pequenos projecteis de água, que disparam em todas as direcções, caindo como sementes no asfalto. Não produzem vida, apenas uma frágil esperança de que algo bom aconteça. Algo como uma flor tenaz que rompe a estrada moribunda.

O meu coração adolescente, o meu salto infantil, a minha fé que resiste...
Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A fuga

Amanheceu e com a luz, a escuridão girou sobre si mesma e saiu furiosamente.
Há medida que o sol cresce, as sombras agitadas procuram abrigo nos nichos das paredes e enquanto se recolhem, a casa desperta, retomando o medo suspenso pelo terror nocturno.

_Abre as janelas! - Grita-lhe o cérebro como se sufocasse.
As mãos pequenas obedecem instantaneamente e o frenesim, em torno das janelas emperradas, começa até que o ar renovado preencha a mais pequena fenda no soalho ou nas paredes.
O ambiente está viciado e os cheiros que exalam da hipocrisia, da ingratidão e da injustiça são putrefactos, ainda que emanem do sorriso do agressor.

_Abre a porta! - Grita-lhe o cérebro em pânico.
Agita-se a angústia e os passos descompensados tropeçam até que a ordem seja satisfeita. Todas as portas de todas as divisões estão abertas. Nem mesmo os armários poeirentos permaneceram fechados. Não há lugar para mistérios ou segredos. Tudo a descoberto para que tenha uma paz ausente de medos.
A paz é ilusória. Nenhuma distância é suficientemente segura, assim dita a justiça dos impunes.

_ Sai! - Grita-lhe o cérebro num sopro de coragem. - Sustém a respiração até saíres...
As lágrimas brotam e rolam de leito profundo, escavam sulcos e emagrecem o olhar. A realidade é dura! Já não importa ter a casa aberta, o ar inspirado continua contaminando cada célula em seu redor. A razão parece um disco riscado, uma mão pesada que estrangula a consciência e articula os membros como se de um fantoche se tratasse.
O movimento soluçado canaliza toda a energia para arrancar do aconchego as gavetas que albergam os seus parcos pertences. Um a um são transferidos e depositados numa mala de mão. Não há tempo para mais nada, sair é preciso.

Lá fora, o desconhecido, mas também o abraço do sol e a liberdade da luz.
Quando a noite chegar, a casa estará vazia, sem inocente ou cruz.
Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)
"Linha de apoio a vítimas de violência doméstica 800 202 148. Um serviço de informação gratuito e confidencial que funciona 24 horas por dia."

sábado, 5 de novembro de 2011

Obsessão

Respiro e concentro-me no caminho que seguiste,
penso no homem que sempre desejei que fosses,
nos gestos assertivos que nunca tiveste.

Suspiro e caminho seguindo o rasto agitado
de um vento que fustiga em abundante arrogância.
Temo pelas horas que não traz de volta...
Horas sem ponteiros que agravam a distância.

Penso nos teus pedidos sussurrados
como carícias carentes de afecto,
perdendo-se pela carne,
nunca atingindo a alma.

Quem sou, tornou-se a mais importante interrogação.
Muito mais do que essas outras ladras do tempo:
Quem és tu e onde estás? – Perguntei-me incessantemente.
Respiro, suspiro e penso!

Penso neste sentimento que já conheceu o sol.
Agora, oculto-o entre as nuvens cinzentas
para que possa sussurrar nos dias de tempestade.

Adoro que chova porque o sinto!
Rosto molhado, frio que se entranha na pele.
São fios de água, que descem desse céu barulhento,
atraídos por este corpo que o tempo não parou.

Desolado deserto ou solitária ilha?
Vivo a miragem do náufrago,
agarro-me ao nada que me dás:
_ Uma fome imensa, uma fome intensa!

Poema sem sentido, este fogo habilmente tecido
por actos imaginados tão pobremente vividos.
Sim, recordo os beijos roubados, molhados,
e os crescentes pedidos gemidos e sofridos.

A minha alma perdida
entregar-se-ia ao devaneio carnal
por esta obsessão visceral,
este querer-te tanto,
porque te quero ainda…

Voltar…
Respiro...
Suspiro...
Penso no dia...


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quero-te outra vez...

Respiro...
Suspiro...

O corpo lateja e alma flutua no esquecimento
A loucura cometida deixa-me deliciosamente à deriva.
Sinto-me senhora e odalisca
Saciada por um momento,
sôfrega no mesmo instante...

Sim, surpreendo-te!
O meu apetite não tem limite
Apetece-me a tua voz sussurrada,
assim como os desvarios gritados
que ecoam nos recantos.

Juntos...
Despindo as máscaras e armaduras,
entre beijos repletos de carícias,
gestos que nos incentivam
a aceitar tudo o que o outro é
e a possuir tudo o que nele existe.

Sim, surpreendo-te!
Imolo-me no fogo que criamos,
Possível apenas porque amamos
amar a carne com alma.
Pouco importa que na boca dance o pecado,
Melhor sorte não tem quem assim
nunca foi amado...

Não temas pela alma perdida...
Deixa-te ir à deriva neste caudal abençoado.
Não é loucura esta alegria desmedida,
este prazer no acto consumado,
momento a que chamamos destino.

Respira...
Suspira...
Quero-te outra vez...


Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pensamento


Se amanhã chover - e se te atreveres - sai para a rua e dá o teu rosto e o teu corpo à chuva, sente o mesmo que eu...
Se amanhã chover - e se te atreveres - poderás ver-me correndo por essas ruas com os pés encharcados pelo riso.
Se amanhã chover - e se eu me atrever - tentarei encontrar-te nas ruas desertas...

(contém hiperligação para a página de origem)

Tortura, anseio...



Cravo os dedos na tua pele, desenho um caminho escarlate.
«Assim, ferindo-te até que me traves o movimento»
Pulsos presos entre os teus dedos, olhares desafiantes
as bocas chocam intensificando o tormento...

Tortura...
Gemidos que se ferem entre dentes
lambuzam as línguas sedutoras...
As roupas esvoaçam em movimentos ascendentes.

Pele... Enfim livre da película que nos envolve
Despidos de máscaras
Vestidos das cores do desejo
Tortura, anseio...
Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Inspira, relaxa e divaga... Suspira!


Bate a porta furiosa, fecha-a como uma barragem que sustenta as águas agitadas pela tormenta.

Abre a porta do armário procura o seu reflexo trancado e como se o tempo não sentisse, admira o rosto marcado.

Inspira, relaxa e divaga...

Preocupa-a o fogo. Essa chama alta que a atormenta e a instiga a não aceitar o quotidiano bafiento, cozinhado em banho-maria.

Suspira, encostada a um canto de olhos postos numa cama que não quer ocupar. Ali, as rendas não se desfazem e as roupas não esvoaçam como lenços largados ao vento.
O espaço encolhe, como se a realidade a quisesse acordar do seu torpor. Mas que realidade?
Aquela que lhe diz que é normal que os sentidos mirrem ou a outra que diz que é por falta de amor que não sente?
Procura novamente o espelho, observa as marcas no rosto e no corpo. Não deu pelo tempo passar, mas este corre para uma meta que poucos pretendem alcançar... Pelo menos, não tão cedo.
Não pretende parar o relógio, apenas gostaria de encher as horas com mais do que o dia-a-dia de que todos se queixam.
Ela não se queixa, mas lamenta... Barricada no seu canto, afasta-se da realidade que lhe bate à porta e mergulha na espiral das possibilidades infinitas. Liberta-se da dor e abraça o fogo que sente dentro si, alimentando-o com gestos que cultivam suspiros.
Cresce um jardim naquele lugar trancado.
As trepadeiras selvagens esticam-se cobrindo tudo. Apenas a cama parece não ceder à transformação do espaço, mantendo-se aquilo que na verdade é: um espaço onde dormem vontades.
Com um brilho nos olhos, inebriada pelo perfume deste jardim secreto, ela salta perturbando os lençóis de um branco esticado. Pouco lhe importa o seu queixume, rodopia dançando, engelhando-os com a sua vontade.
A sua vontade … «Pensa, tocando nos lábios para a sentir melhor.»
Enrola o corpo nos lençóis e deita-se, ouvindo-os suspirar de alívio.
Pausa, apenas por um momento.
Um momento apenas enquanto a sua respiração se concentra no ritmo crescente.
Agarra o tecido, esfrega-o, leva-o à boca e, como lhe falasse ao ouvido, murmura:
_Por minha vontade serias sempre um lençol suado, enrolado num sorriso adormecido. Nunca esticado como se a vida apenas fosse vivida lá fora.
Rasga a renda que lhe venda a pele, arranca o tecido que lhe cobre os sentidos, deixa fluir o gemido …
Inspira, relaxa e divaga... Suspira!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Onde estás?

Onde estás?

Porque não ouves o meu grito
vindo de todas as arestas que escalei
neste abismo em que me encontro...

Onde estás?
Eu que te espero
até que a pele seque nos ossos
e a terra elimine qualquer sinal

de que existi
e que existindo
esperei
por ti!

Fotografia de Fábio Martins (contém hiperligação para a página do Autor)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Espero que chova




Entrego-me à chuva sem receio, como se estivesse com muita pressa para ir a um qualquer lugar. Ninguém me julga na minha urgência e há sempre alguém que se esqueceu do guarda-chuva protector.

Nos dias em que, também eu, carrego esse sinal de resignação e me resguardo da chuva, brinco às escondidas sob a lona multi-colorida. Apenas as crianças sabem o que faço e porque o faço, vejo-o nos sorrisos de uma travessura inocente.Sorriem-me porque passeio transportando o arco-íris nas mãos e também eles, se pudessem, largariam as mãos protectoras e brincariam com a chuva.
Sem supervisão, já em criança dançava à chuva e ria chapinhando com as galochas coloridas nos espelhos de água. Parece-me que me vejo de braços no ar, abrindo a boca recebendo algo que considerava divino. A água que vem do céu, esperanças infantis de uma vida abençoada.

Entretanto, cresci e enamorei-me pelo sol sem que deixasse de amar a chuva. Quente e frio, expandir ou aninhar... Quero tudo! Então, estou à espera que chova porque adoro ser sol num dia cinzento, vejo o brilho e sinto-me quente, febril... Desejo que chova para que possa correr lá para fora e longe dos olhares abrigados, rir sem freio.

Correr à chuva como se corresse para o banho quente e cremoso, tão íntimo e delicado como um abraço temperado. Deleita-me e arrepia -me o seu beijo molhado, o abraço gelado das suas gotas, as dezenas de dedos que deslizam sobre a pele. Envolvente e libertador...

Corro para chuva porque não esqueço quem sou e sabendo-o sou livre!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Crescente distância

Caminham lado a lado num silêncio que perturba o vazio crescente entre eles.
Inspiram com dificuldade, até para atirar, para o ar, palavras banais como miolo de pão para as pombas do jardim. Palavras de desgaste rápido sobre o estado do tempo, a cor das pedras da calçada.

Ele olha em frente, Ela olha para o lado.
Evitam olhar um para o outro, pois sentem o constrangimento de quem queima fósforos sem obter uma fonte de calor.
Não há beijos roubados, nem dedos entrelaçados...

Ainda assim, Ele insiste em chamar-lhe amor e espera que ela o ame, apenas porque respira perto de si. Um dia terá sido assim, mas nessa altura Ele não lhe dava nome algum.

Caminham lado a lado em crescente distância, sonhos sem lugar comum.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sem nada para dizer

Falaria de mim se algo tivesse a dizer...
Mas não falo porque na minha cesta,
apenas tenho palavras mudas que colhi
Frutos do silêncio que carrego em mim.

Tenho momentos fluídos, é verdade.
Mas ainda assim não falo...
Falar sem nada para dizer é um risco
O meu silêncio dá-me abrigo.
Ema Moura

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Extensão

Fotografia de: Um outro Olhar (contém hiperligação para a página do autor)



Extensão...
É como me sinto ao enterrar os pés na areia ou a mergulhar o corpo nas águas de ondulação dócil.
Também o sinto na brisa que desinquieta a túnica e nos raios de sol que me acariciam na sua ardente textura.
Extensão da própria vida, também eu capaz de gerar, iluminá-la ou cegá-la...

Poder e desamparo, alegria e tristeza, força e fragilidade, tanto de mim que me preenche, me desorienta ou me dá alento.

Sou parte de um todo e um todo repleto de partes. Sempre senti tanto a fragmentação como a pertença ao mundo. Sempre soube olhar para coisas e para os outros. Sempre os admirei na robustez dos seus troncos ou na delicadeza das suas folhas.

Cedo soube que todos temos de lidar com a dualidade que nos compõe, a que nos fragmenta e a que nos completa. A tarefa não é fácil! Contudo, a compreensão do que somos - antes de tudo - e o reconhecer do ponto onde todas as fronteiras se esfumaçam, facilita todo o processo.

Viver torna-se assim natural e naturalmente podemos viver com os olhos postos nessa linha imaginária que não é mais que um eco do caminho que tomámos.

Extensão de mim, de ti... Horizonte.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ouve-me


Ouve-me
Eu que te chamo desde sempre
Quando era apenas poeira que brilha
Quando era apenas, desta vida, semente.

Ouve-me
Eu que te falo de um tempo sonhado
Voz que canta no teu dormir
Canção que esqueces quando acordado.

Ouve-me
Eu que peço ao universo,
o enlace dos fios que nos prendem
Desejo presente em todos os meus versos.

Ouve-me
Ainda que penses não conseguir
Pois eu sou a aurora nos teus sonhos,
a Alma que te vê partir.



sábado, 24 de setembro de 2011

Amarro-te!


Amarro-te!
Prendo-te no olhar
Laço mais forte não existe
Não poderás fugir
Não poderás gritar...

Amarro-te!
Tenho-te submisso
Escravo dos meus caprichos
Sede que não sacio
Apenas porque me dá prazer
Ver-te...

Amarro-te!

Privo-te de me tocar
Danço à tua volta
Invado a tua mente
Ouves e sentes-me...

Amarro-te!
E amarrado tenho-te
Enquanto crio pontes com o corpo
Caminhos que subo e desço
Pelo prazer que me dá
Ter-te...

Amarro-te porque o meu laço
te liberta
E enquanto o amor desperta
tenho-te assim,
Cativo em mim.

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)



terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ofélia

Hoje, sou manta morta,
não sinto mais.
Hoje sou massa disforme
preenchida por um turbilhão de ecos vazios,
gestos retorcidos que não formam coisa alguma.

Hoje, o meu ritmo cardíaco é fraco
assim como é o volume da minha voz
Perco a vontade, escapa-se-me a vida...
Sem razão não vivo!
Sem esperança deixo-me ficar...

Hoje, a minha pele não reage
Não treme, não arrepia...
Como me sinto à deriva,
penso que há muito morri
e que o não sabia.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Brilho!

Autor desconhecido (contém hiperligação para a página de origem)

"Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa."
Fernando Pessoa

Dezasseis horas e o sol aperta e sopra secando a garganta, enquanto fios de suor escorrem pelas costas do vestido. A sede é de tal maneira que para a saciar entro no café mais próximo, ignorando os sinais de proibição há muito impostos. É um risco entrar ali, mas na verdade naquele lugar específico apenas te encontrei uma vez e isso foi literalmente no século passado. Diga-se de passagem que desde que ali te vi, nunca mais lá entrei...
«Cresce rapariga!» - Penso e entro.
A pastelaria está praticamente vazia, o que me faz suspirar de alívio. Contudo, o curto trajecto até ao balcão incomoda e irrita. Está tudo igual, desde a decoração à disposição das mesas. Talvez me sentisse melhor se não restasse absolutamente nada do que ficou gravado na memória.
_ Um café e uma água fresca, por favor! - Peço ao empregado, enquanto olho em volta como se não soubesse o lugar onde me iria sentar. Na verdade hesitei entre sentar-me na tua mesa ou ficar de frente para ela.
«Cresce rapariga!» - Penso e sento-me num lugar ao acaso, forçando o olhar a fixar-se num qualquer outro ponto. Como se precisasse olhar...
Poucos minutos depois, menos ansiosa e de sede saciada, passeio os dedos curiosos pelo jornal diário. A pressa de sair foi-se diluindo à medida que a leitura substituiu as preocupações iniciais por outras mais comuns à maioria dos cidadãos: crise e insegurança na ordem do dia.
Enquanto voltava as páginas do jornal, o frenesim no café ora aumentava ora diminuía num ritmo tão constante que me permitiu abstrair destas mudanças no ambiente. Uma hora permaneci no mais absoluto silêncio e ainda me dei mais alguns minutos após o dobrar das desgraças noticiadas. Sentia-me mais corajosa, capaz de quebrar muitas outras rotinas, de viver mais a vida. Assim me sentia até que me levantei e te vi ali, onde já não pensaria voltar a encontrar-te...
Sorriste. Sorris sempre. Assim, como se a vida te desse um acesso privilegiado aos raios de sol.
«O meu deserto...» - Penso enquanto arrasto as pernas nervosas, maldizendo a hora em que lá entrei ou o simples facto de não ter pago logo a conta.
No meu caminho estás tu e o espaço é tão reduzido que te ouço respirar. Um formigueiro percorre-me todo o corpo e as imagens que me tomam de assalto fazem-me estremecer: lábios, língua, hálito, húmido, frio, calor, suave, brilho...
«O meu inferno...» - Penso enquanto me obrigo a partir com uma sede maior da que tinha horas antes. - «O teu corpo... Quero-o tanto que o meu me dói...»
Dobro a esquina, coloco os óculos escuros e fixo um objectivo no horizonte, algo que me faça andar, um lugar para onde ir. No rosto sinto a nascente transbordante, lágrimas ou desejo, qual quebrará primeiro…
Afasto-me para que os possa libertar a sós, evocando o rio das impossibilidades que existiu sempre entre nós: ele não virá, mas se viesse eu não iria com ele.
Procuro refúgio num antigo jardim, de uma casa esquecida no tempo. Pedra corrompida pelas persistentes trepadeiras, erosão silenciosa, refúgio perfeito de um tempo que volta e meia pára.
Encostada a uma parede permito-me apenas respirar, os olhos ainda estão cegos e o corpo em choque.
«Ficarei apenas o tempo suficiente para que as próprias ruas se esqueçam que passei ali…» - na verdade dou tempo para que a vida redefina os seus caminhos para que não nos cruzemos novamente.
Mas hoje interferi com o normal curso da vida e o inesperado, tantas vezes imaginado, agarrou as rédeas e aproveita o momento.
O portão chia uma vez ao abrir, outra ao fechar. Os passos arrastados marcam o pesar de quem chega. O som ecoa nos ouvidos, como um som isolado e uma frequência singular que se alinha e interfere com o pulsar do meu coração. Não esboço o menor movimento até que os meus olhos, pregados no chão, se fecham e estremecem perante o sol que irrompeu pelo jardim.
Olho-lhe nos olhos sabendo que a cegueira crescerá para além deste tempo suspenso. Uma pausa no universo permite, momentaneamente, que uma ponte, desenhada no olhar, una dois mundos. Assim, permanecemos em silêncio sentindo o pulsar, o alinhamento, a bênção de um momento propício e perfeito.
A luz crepuscular não diminui a temperatura, antes confere ao ambiente uma qualidade do irreal na qual nos sentimos tão especiais. A cor devolvida à face inunda os lábios vacilantes, tornando-os num jardim florido em tons de rosa enrubescido.
Ele sorri e ela é ri… Impossível não rir… Nunca o conseguiu!
Um passo dado, braços que se estendem, bocas que se confundem, dedos que libertam botões… É a própria liberdade que os acorrenta no corpo de um no outro. Pele sobre pele. Ouro e platina. Brilho até que a ponte se desfaça e o rio os mantenha em margens opostas.
Se eu quisesse ver-te, saberia onde...
Os caminhos que evito, as paragens que não faço são pequenos gestos que me dizem - ainda que o não queira saber - que te levo comigo. Escapei de ti, é certo, mas contigo deixei tudo o que queria viver.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Minha!

«Minha!» - Palavra apertada entre os nós dos dedos, enquanto o pé carrega no acelerador.
Abre a janela e espera que o vento preencha o espaço com os aromas campestres e que estes o acalmem. Ânsia de chegar ao lugar de onde nunca deveria ter partido.

«Minha!» - Palavra concentrada a cada nova mudança, a cada quilómetro percorrido.
Concentrar... missão quase impossível! As cores do próprio campo despoletam imagens há muito gravadas: lábios como cerejas suculentas, cabelos como a asa de um corvo, corpo curvilíneo como o caminho a percorrer, olhos cheios de água, como lagos profundos onde o sol repousa todas as noites.
Os dedos percorrem os cabelos como se o gesto pudesse aliviar a tensão que sente, como se a carícia fosse o prelúdio de muitas outras. Ânsia de chegar, antes que ela hesite e vá de novo embora...

Novo desvio, afasta-o do itinerário principal, dos viajantes, dos locais. A casa parece estar num lugar isolado e àquela distância apenas consegue distinguir o telhado claro e o manto verde que a cerca. No jardim as sebes floridas marcam todo o espaço, aconchegando-o sob trepadeiras suspensas.
O caminho até à casa é feito a pé, como se quisesse afastar todos os ruídos artificiais, aqueles que muitas vezes se colocam entre as pessoas, separando-as...
«Minha!» - Palavra suspirada ao toque aveludado das flores no caminho.

Estremece perante a porta aberta, revê as vezes que por ali entrou, carregando-a nos braços como se tivesse colhido a felicidade por entre as árvores de frutos. Recorda, tantas outras, em que não chegaram a entrar, amando-se à porta de casa, por entre malas e sacos espalhados na urgência.
Entra sem bater, o coração na boca profere o nome dela, contraindo-se na ausência de resposta.
Alarme, confusão, medo... Nuvem negra passageira, dissipada por um "estou aqui" como o canto de uma ave numa manhã de sol.

_Minha... - Palavra diluída nos lábios como cerejas suculentas, cabelos como a asa de um corvo, corpo curvilíneo como o caminho a percorrer, olhos cheios de água, como lagos profundos onde o sol repousa todas as noites.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Caminhar


Sigo os meus passos como se fossem de um caminhar diferente, vejo como se encaminham para as ruas desertas no silêncio da noite.

As sombras tão ruidosas e intensas realçam o contraste axadrezado dos passeios. Luz e escuridão em tons graduais de branco e negro, para trás fica tudo o que é colorido.
A cidade não dorme.
Aqui e ali espectros viajantes deixam um rastro perfumado no ar. As fragrâncias gotejam dos telhados contando os minutos que enchem pequenos espelhos de água.
Pensei que teria medo ao passar junto aos becos mal iluminados, mas na verdade, apenas sustenho a respiração quando os meus passos se deixam ficar contemplando o breu desconhecido. Concentro-me nos sons que chegam: uma tampa que salta, a fúria de um gato, uma garrafa que parte, uma tosse cavernosa...
Alívio sinto nos passos apressados que sigo, respiro ao afastar-me dos becos sem saída.
Não me pergunto sobre o que ali estou a fazer... A mera suposição de acção vence qualquer discussão interior.
No fundo da rua uma ponte, do outro lado a escuridão é mais densa. Os passos hesitam sem contudo suspender o movimento. Agem como se não houvesse volta a dar ou talvez saibam para onde vamos...

Eu não sei, mas isso agora não é relevante, sigo os meus passos em seu caminho e por ora é tudo o que me sinto impelida a fazer.
Caminho, ainda que não sinta os passos como meus.
Fotografia de: Um outro Olhar (contém hiperligação para a página do autor)